“Eu acredito no Brasil. Isto aqui é um negócio extraordinário, a civilização mais extraordinária deste planeta.” – Gonçalo Pereira (IB Unicamp e CTBE)
Com essa frase, o diretor do Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Bioetanol (CTBE CNPEM) e pesquisador do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB Unicamp), Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, começou a última palestra da noite de quarta-feira (17) no Lado B, um dos quatro bares que recebeu o Pint of Science 2017 em Campinas. O bioetanol foi tema da conversa e, como ele apresentou, é uma das grandes conquistas da ciência brasileira e um passaporte tanto para o futuro do país como para atacar problemas globais como as mudanças climáticas.
Começando no começo, mas no começo mesmo, em algum momento por volta de meio bilhão de anos após o surgimento do planeta, surge a vida na Terra. Gonçalo argumenta que o surgimento da vida não é algo excepcional, mas sim que “quando você tem atmosfera, vida é o óbvio”.
Essa vida, eventualmente, desenvolve o processo da fotossíntese, gerando uma explosão de produção de oxigênio e diminuindo o nível do CO2 na atmosfera. Durante um processo de milhões de anos, inúmeros desses seres vivos que acumularam energia solar (diretamente pela fotossíntese ou indiretamente através da cadeia alimentar) se tornam petróleo e carvão, um concentrado de energia fantástico, que permitiu o desenvolvimento da civilização moderna. No entanto, ao liberar a energia dessa fotossíntese pré-histórica, a humanidade acabou também levando uma quantidade monstruosa de carbono, capturado ao longo de bilhões de anos, de volta à atmosfera na forma de CO2.
O álcool combustível, tal qual o petróleo, é energia solar capturada pela fotossíntese. Mas enquanto o petróleo é um processo de milhões de anos (petróleo é renovável, brincou Gonçalo, contanto que você esteja disposto a esperar 3 milhões de anos), o ciclo do bioetanol tem o comprimento de uma safra. E nesse processo, o hectare de produção de cana, captura em torno de 100 a 200 toneladas de carbono, fazendo do bioetanol uma peça fundamental para a solução do problema do aquecimento global.
E com isso, voltamos para o Brasil, país que não só tem uma das matrizes de produção energética mais limpas do mundo como também tem em mãos as áreas plantáveis e, principalmente, a tecnologia para produção de álcool combustível da melhor qualidade, defende o pesquisador, sendo o bioetanol brasileiro muito competitivo, tanto economicamente quanto do ponto de vista da produção de carbono.
O palestrante não negou que o ciclo de vida de produção do álcool no Brasil, quando considerado em sua totalidade, ainda produz gás carbônico, principalmente por causa do diesel consumido pelos tratores e caminhões-tanque durante a produção e transporte, mas ressaltou também que isso poderia ser neutralizado com a tecnologia correta.
Deve-se entender que hoje o bioetanol de cana brasileiro é o topo-de-linha no mundo. Em outros países, como os Estados Unidos, o Etanol é produzido a partir do milho, que tem em torno de 1,5% de eficiência, enquanto no Brasil o etanol de cana tem 8 a 9% de eficiência. Além disso, está sendo desenvolvida aqui, uma segunda geração de produção de álcool que permite aumentar ainda mais a eficiência. Por exemplo, a chamada “cana energia” somada à tecnologia de segunda geração de extração de combustível permitiu à Raízen, uma das maiores empresas brasileiras de biocombustíveis, a reabrir uma usina na região de Piracicaba, que anteriormente não era economicamente viável.
E por que, com tudo isso, o Brasil que com apenas metade de seus pastos existentes poderia abastecer toda a frota de carros do mundo não o faz? Existem alguns grandes obstáculos para a adoção global do Etanol, segundo Gonçalo.
Por exemplo, uma das principais dificuldades econômicas enfrentadas é o fato de a produção de cana ser sazonal, com a Usina parada por vários meses. O segundo maior problema enfrentado nos últimos anos foi a baixa artificial do valor do petróleo e da gasolina promovida, por motivos independentes, tanto pelo governo brasileiro quanto, mundialmente, pelos principais produtores de petróleo.
O terceiro problema é uma questão estratégica, do ponto de vista dos outros países. Se o Brasil é o único produtor de álcool do mundo, existe um monopólio e não se pode montar uma estratégia de abastecimento dependente de apenas um player. Nisso, a segunda geração de álcool pode trazer uma revolução, pois ela permite produzir álcool a partir de outros tipos de plantações, permitindo que um país que não produza cana ainda possa ser um produtor de álcool.
O Brasil tem o potencial de liderar essa revolução energética no mundo
E com isso chegamos à parte final deste post e voltamos à frase de abertura com pitadas de opinião sobre o tema em pauta.
No presente momento político do país, seja você, leitor, à esquerda ou à direita, é muito fácil perder as esperanças no Brasil. No entanto, basta ter uma visão de longo prazo para vislumbrar o quanto avançamos nos últimos cem anos e como esses avanços são sólidos.
Na nossa área científica, o Brasil tem hoje uma produção à altura de todos os outros países do mundo e, não só isso, a um custo relativamente baixo. Isso, infelizmente, não se reflete em pujança econômica, pois com toda essa ciência o Brasil, como apresentado pelo palestrante, rankeia na casa dos 70 em competitividade global. Isso quer dizer que a ciência não está sendo convertida em valor agregado econômico.
Gonçalo argumenta que um dos empecilhos é a dedicação exclusiva que impede os professores universitários a levarem o conhecimento da universidade para fora dela e ser devidamente remunerado por isso. Ele diz ainda que no Brasil, que foi em seu período de colônia construído simplesmente sobre o comércio, existe uma cultura muito pequena de produtos com valor agregado.
Ainda nesse sentido, anos atrás, assisti a uma palestra do Prof. Sérgio Queiroz, então Coordenador Adjunto de Pesquisa para Inovação da FAPESP, que apresentou um dado interessante: o investimento governamental em ciência no Brasil nos últimos dez anos tem sido equivalente ao dos países desenvolvidos. O investimento privado é que é significativamente mais baixo.
No entanto, antes de desanimar, basta olhar para o passado e notar que há uma geração atrás, o Brasil tinha uma produção científica ínfima, ou seja, estamos melhorando e conquistando aos poucos nosso espaço.
O palestrante apresenta outro dado interessante: antes de 1964, quando foi instituída a dedicação exclusiva, o professor universitário era remunerado apenas por dar aula, não pela pesquisa. Esse dispositivo teve então um papel muito importante naquele momento para desencadear o progresso científico nacional, mas hoje, uma geração a frente, precisa ser substituído por um novo modelo. Por fim, conclui Gonçalo, na construção desse novo modelo a presença de empresas de novas tecnologias (start-ups) é essencial, para que possamos construir um país que atenda as demandas de sua população.
Nós do Galoá também acreditamos apaixonadamente no potencial da ciência brasileira de renovar o país e gerar um novo ciclo de crescimento e expansão da cidadania. Por isso, investimos e trabalhamos diariamente para oferecer novas soluções e caminhos para os pesquisadores divulgarem suas pesquisas entre seus colegas e para um público mais amplo, gerando mais efetivamente impacto no mundo e no progresso da ciência nacional.
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