Nos últimos textos, trouxe a tona alguns debates sobre iniciação científica, comumente chamada de IC nos corredores das faculdades.
O foco deles foi conceituar termos básicos, como: o que é e porquê fazer uma iniciação científica durante a graduação ou no ensino médio, já que existem programas em universidades e instituições de pesquisa que fomentam projetos classificados como Iniciação Científica Júnior também.
Reveja os textos aqui:
- Por que fazer uma iniciação científica?
- O que é uma iniciação científica e como conseguir uma bolsa?
- Bolsas de Iniciação Científica para Ensino Médio formam jovens pesquisadores
O objetivo dessa série de textos é entender melhor os principais aspectos e dúvidas que envolvem uma IC, portanto, não poderíamos deixar de falar de uma das figuras mais importantes nesse processo que são os professores-orientadores.
Para embasar o post de hoje, vamos mencionar alguns pontos diagnosticados no artigo Iniciação à pesquisa no Ensino Superior: Desafios dos docentes no ensino dos primeiros passos, publicado na revista “Ciência & Educação” da Universidade Estadual Paulista (UNESP).
O artigo é fruto de uma pesquisa descritiva que coletou informações de sete entrevistas semiestruturadas com professores da Universidade do Vale do Taquari (UNIVATES), localizada em Lajeado no Rio Grande do Sul, sobre os principais desafios na rotina de ensino e orientação de graduandos que estão se iniciando na pesquisa científica.
Segundo os autores do estudo, o objetivo não foi entender somente os desafios de orientadores dos bolsistas de IC, mas sim algo mais amplo, como os desafios dos professores encarregados em lecionar disciplinas básicas e introdutórias para a iniciação à pesquisa, como Metodologia e Técnicas Científicas nos cursos de graduação.
Os desafios foram elencados e analisados segundo o contexto e bagagem que a maioria dos estudantes carregam quando ingressam no Ensino Superior.
Bagagem defasada sobre o que é ciência e pesquisa
Segundo a pesquisa realizada na UNIVATES, um dos principais problemas apontado pelos professores sobre a introdução da ciência e pesquisa é que a maior parte dos alunos chegam às universidades sem saber o que é pesquisa científica.
Ou seja, projetos que tentam inserir o aluno desde cedo nesses espaços, como a Iniciação Científica Júnior, são pequenos frente ao número de ingressantes nas faculdades brasileiras.
Os professores entrevistados ainda apontaram que, em geral, no Ensino Básico o aluno até é incentivado a pesquisar em suas atividades curriculares, mas os resultados não são exigidos nas avaliações, tornando o processo de pesquisa incompleto. Isso se reflete nas ações quando esse mesmo aluno ingressa no Ensino Superior, pois ele tende a reproduzir esse tipo de atividade incompleta, o que dificulta o aprendizado sobre o que é fazer ciência.
Pensamento similar também é apresentado no capítulo “O trabalho do professor-pesquisador e o PIBIC/CNPq” da educadora Regina Celi Machado Pires no livroIniciação científica: aspectos históricos, organizacionais e formativos da atividade no ensino superior brasileiro, publicado pela editora UNESP, em que a pesquisadora argumenta que os graduandos que serão docentes do Ensino Básico devem ser treinados para, desde cedo, apresentar processos e pensamento científico em sala de aula, permitindo que esses alunos cheguem às suas graduações mais preparados.
“O conceito de iniciação científica (IC) traz a ideia de que o estímulo à pesquisa científica deve começar o mais cedo possível e ser permanente. A condição para isso acontecer é a formação do professor como um pesquisador, uma vez que a formação do ensino/pesquisa deve acontecer desde a educação infantil (4 a 6 anos). […] Portanto, materializar propostas de iniciação para a pesquisa, nas escolas e nas universidades, passa, necessariamente, pela preparação do professor-pesquisador da educação básica.” – Regina Celi Machado Pires
Sobre ações realizadas diante desse problema, um dos relatos apresentados na pesquisa da UNIVATES é que os professores começaram debates sobre questões de ética e autoria em suas aulas, evitando que desvios, como trechos recortados e com fontes não-citadas, se reproduzam no trabalho acadêmico e bloqueiem o pensamento crítico e argumentativo.
Essas bases e orientações contínua permitirão que os alunos se expressem com fundamentação e tenham como rotina o questionamento, a fim de criarem e consolidarem argumentos e novas visões.
Com isso, as disciplinas de iniciação científica devem ser espaços para expandir concepções e perspectivas sobre a ciência e pesquisa, dando subsídios para suas pesquisas futuras.
“É possível perceber que a preocupação está em desenvolver um aluno que seja consciente dos seus atos e responsável por eles. Por essas razões, os professores destacam aspectos para além dos aspectos técnicos e normativos e da elaboração de trabalhos acadêmicos, chegando a citar a necessidade de se trabalhar com a Filosofia da Ciência.” – Neuenfeldt et.al. – Ciência & Educação
Outro ponto importante para combater o despreparo dos jovens pesquisadores, é incentivar a leitura. Além do hábito de ler, e amplamente, ser básico para qualquer interpretação, ele também auxiliará no próximo desafio do aluno que é escrever seu projeto, desenvolvimento e relatórios com os resultados e discussões.
Ensinar normas da ABNT e metodologias
Ainda como base o artigo publicado na revista “Ciência & Educação”, outro problema comum apresentado pelos professores é a forma de ensinar questões técnicas e normativas dos trabalhos acadêmicos, como as regras estabelecidas pela Associação Brasileira de Normas e Técnicas (ABNT).
Apesar da exigência em se passar essas normas em sala de aula, como são conceitos técnicos, os professores entrevistados relatam que deixam para os alunos a busca pelas normas, enquanto eles priorizam e discutem no tempo limitado da sala de aula outras informações, como a forma de escrita e estruturação de um trabalho científico.
Mesmo com esse posicionamento, os entrevistados destacaram que ainda é perceptível o número de plágios e outros problemas éticos, muitas vezes causados por desconhecimento ou pressão por prazos, visto que muitos estudantes da universidade usada como objeto de estudo são trabalhadores com menos tempo útil para realizar o excesso de trabalhos acadêmicos.
Na prática docente, os professores entrevistados propuseram que os alunos desenvolvam projetos relacionados aos seus cotidianos, o que torna as pesquisas personalizadas e evita ou minimiza desvios éticos dos graduandos, já que a cópia para descrever o problema, objetivos, justificativas e desenvolvimento se torna limitada com a personalização.
Essa também pode ser uma estratégia para trabalhar o problema do escassez de tempo para a pesquisa em muitos contextos sociais.
Aproximar a pesquisa com o campo de atuação do estudante
Outro desafio que os docentes enfrentam no ensino de pesquisa a seus alunos, segundo o artigo usado como base para este texto, é sobre como articular para que as pesquisas realizadas tenham relação com o campo ou futuro campo de atuação do estudante. Ou seja, como fazer com que o aprendizado em pesquisa seja útil tanto para quem seguirá carreira acadêmica quanto para quem deseja se inserir logo no mercado tradicional de trabalho.
Segundo os autores da pesquisa realizada na UNIVATES, é muito importante pensar nessa articulação entre a pesquisa com a rotina de todos os alunos, não só de bolsistas de iniciação científica, como forma de desmistificar a ideia de que os processos de pesquisa são “produtos solenes do mestre ou doutor”.
Isso significa que a pesquisa científica deve ser incorporada pelos estudantes como algo cotidiano que lhes permitirá questionar, refletir e encontrar novos caminhos ou análises, independente do problema discutido.
Essa mesma linha também parece ser defendida pela educadora Regina Celi Machado Pires em seu capítulo no livro “Iniciação Científica” da Editora UNESP:
“[…] indicamos que as políticas de CT&I sejam pensadas a partir da concepção do pesquisador como um trabalhador, não como um ser idealizado e talentoso, de forma a superar a divisão social do trabalho intelectual e manual. Indicamos que a concepção de um Programa de preparação de novas gerações de trabalhadores pesquisadores deve ter por princípio uma formação geral, filosófica, metodológica, orientada para a transformação qualitativa da produção acadêmico-científica do país. Assim, poderá ser permitida a passagem da atitude formalista e metafísica de pensar a realidade, predominante na Academia, para a fase em que se evidencia a conveniência de aceitar e desenvolver as concepções dialéticas, aplicadas à ciência e à investigação do mundo.” – Regina Celi Machado Pires
Com as análises e entrevistas realizadas, os pesquisadores da UNIVATES concluem que abranger toda essa carga teórica no tempo limitado das disciplinas voltadas para metodologias e iniciação científica é o desafio mais preocupante.
Embora o melhor cenário é aquele que todos os alunos de Ensino Básico tenham contato desde cedo com questões desafiadoras que os façam vivenciar o desenvolvimento científico em suas rotinas, é necessário buscar alternativas para o contexto atual em que os alunos chegam às universidades sem esse preparo prévio.
Com isso, o artigo “Iniciação à pesquisa no Ensino Superior” finaliza apresentando caminhos que os cursos podem seguir para contornar esse problema, por exemplo, eles sugerem que nos cursos sejam obrigatórias disciplinas focadas em discussões éticas na pesquisa ou desenvolvimento científico, como Filosofia da Ciência.
Ou ainda que haja uma reestruturação dos Projetos Pedagógicos para que em todas as disciplinas de todos os cursos sejam contemplados esses temas de forma recorrente para uma formação científica dos alunos mais completa. Segundo os autores, isso faz com que os alunos sejam autônomos em seus aprendizados ao questionarem mais sobre os conteúdos aprendidos e discutidos.
Educar e orientar um aluno de iniciação científica não é tarefa fácil, mesmo em um cenário que a bagagem curricular é menos defasada, sendo necessário dedicação para que os alunos tenham a experiência mais completa para se tornarem pesquisadores ou trabalhadores com experiência e pensamento críticos para participarem da melhor forma possível de debates e busca de novos caminhos e soluções.
Para ajudar nessa importante missão, o Galoá desenvolveu ferramentas que facilitam a organização de eventos científicos, além de uma plataforma que indexa de forma completa e organizada os anais de eventos para que os alunos tenham vivência completa de como apresentar e publicar seus trabalhos.
Saiba mais sobre essas facilidades enviando seu contato no final deste post para conversar com a nossa equipe especializada no assunto.
Referências:
NEUENFELDT, Derli Juliano et al . Iniciação à pesquisa no Ensino Superior: desafios dos docentes no ensino dos primeiros passos. Ciênc. educ. (Bauru), Bauru , v. 17, n. 2, p. 289-300, 2011. Disponível em: http://dx.doi.org/10.1590/S1516-73132011000200003
PIRES, R.C. M. O trabalho do professor-pesquisador e o PIBIC/CNPq. In: MASSI, L. & QUEIRZO, S.L. (Org.). Iniciação científica: aspectos históricos, organizacionais e formativos da atividade no ensino superior brasileiro [online]. São Paulo: Editora UNESP, 2015, p. 89-108.