Um debate sobre cientometria

Durante séculos, a ciência foi produzida em círculos muito restritos, sendo igualmente a sua difusão entre pares feita quase exclusivamente entre os membros da academia. Contudo, gradualmente os investigadores foram sentindo a necessidade de apresentar o trabalho que desenvolviam fora dos seus círculos profissionais. Assim, surgiram as primeiras revistas impressas, pela mão de acadêmicos franceses e ingleses, no século XVII.

A par do crescimento científico permanente com o aumento da difusão por via das revistas, surgiu a necessidade de harmonizar a forma, bem como de codificar e organizar o conhecimento científico de maneira que o mesmo estivesse disponível para consulta e fosse facilitada a reutilização objetiva das informações e debates por outros investigadores e profissionais.

Desde então, os métodos de análise da produção científica e tecnológica cresceram substancialmente. São vários os indicadores e instrumentos bibliométricos criados com o objetivo de mensurar e compreender a dimensão do universo das publicações científicas.

O norte americano Frank Shepard (1848–1902) foi um dos pioneiros nessa matéria. Ele apresentou em 1873 o Shepards Citations; para isso,  Shepard desenvolveu um método de recolha simultânea e de classificação de documentação jurídica dos vários processos que decorriam, na época, nos 48 estados dos Estados Unidos, permitindo um acesso facilitado à informação.

Gross & Gross também contribuiu para o desenvolvimento de instrumentos de apoio à ciência em 1927, especialmente no campo das publicações de química, reforçando a importância do número das citações de cada artigo ou trabalho, como forma de destacar os periódicos mais procurados pelos pesquisadores.

Já em 1945, Vannevar Bush foi o primeiro autor a propor o método de recolha, sistematização e recuperação de dados. Uns anos mais tarde, em 1955, Eugene Garfield concebeu o fator de impacto, sendo o fundador do ISI que, posteriormente, fundou o Journal Impact Factor também conhecido pela sigla FI.

O fator de impacto foi introduzido na avaliação das revistas científicas, a partir da década 60 do século XX, pela mão de Eugene Garfield. O então diretor do Institute of Scientific Information (ISI) e fundador da base de dados bibliográfica Science Citation Index (SCI). Ele desenvolveu essa ferramenta para determinar a frequência com que um artigo é citado, funcionando como forma de classificação.

Em editorial da Revista Latino-Americana de Enfermagem, Marziale e Mendes explicam:

“O valor do fator de impacto é obtido dividindo-se o número total de citações dos artigos, acumulados nos últimos dois anos, pelo total acumulado de artigos publicados pela revista no referido período. Somente os periódicos indexados no ISI são considerados para o cálculo do fator de impacto internacional.” (MARZIALE e MENDES, 2002).

Um outro sistema a destacar é o Science Citation Index (SCI), uma base de dados multifacetada. Segundo Pinto e Andrade (1999), o SCI foi desenvolvido no final do século XX e permite a recuperação de resumos escritos em inglês em revistas científicas que estejam previamente indexadas. Eles concluem se tratar de 70% dos artigos de literatura científica e acadêmica, um número significativamente elevado. Esta taxa acaba por representar o número de periódicos disponíveis aos utilizadores da base de dados, ou seja, mais de 10 milhões de artigos.

Em conjunto, estes instrumentos têm originado um corpo de conhecimentos sistematizados, ao qual denominamos de cienciometria. O conceito de cienciometria surgiu, a partir da década de 60, Darosi e Anderle (2014) explicam a cientometria como:

“a área que trata da análise de aspectos quantitativos referentes à geração, propagação e utilização de informações científicas, com o fim de contribuir para o melhor entendimento do mecanismo de pesquisa científica como uma atividade social.” (DAROSI E ANDERLE, 2014).

Em traços gerais, esse instrumento visa contribuir para uma adequada compreensão acerca da procura e da pesquisa de material acadêmico e científico publicado em revista e indexado online. Sobre a cientometria, Pinto e Andrade também esclarecem que:

“A ciência pode se beneficiar muito da aplicação desses parâmetros da cienciometria, mas o seu crescimento e a sua qualidade exigem que se trabalhe em todas as direções para que áreas importantes do conhecimento não se atrofiem por não serem as da moda, aquelas que congregam o maior número de cientistas e que só figuram nas revistas com alto fator de impacto” (PINTO e ANDRADE, 1999).

Na última década, há quem afirme que a popularização do fator de impacto distorce as decisões editoriais. Publicaram-se maus manuscritos, porém passíveis de serem citados, com erros considerados graves em periódicos com alto fator de impacto em detrimento de manuscritos de alto valor científico.

Por essa razão é que, segundo a opinião de vários autores como Pinto e Andrade (1999), o fator de impacto se apresenta como uma enfatização deveras negativa. O fator de impacto se resume, neste caso, a um pólo antitético, não reunindo total confiança por parte dos leitores nem por parte dos próprios autores, como podemos conferir nas palavras de Costa e colegas:

“A utilização das bases de dados bibliométricas é hoje uma realidade. No entanto há que ter em consideração que as mesmas não só divergem nos conteúdos que indexam, ao nível de tipologia de documento (artigos, periódicos, patentes, livros, etc.), como também ao nível das coberturas temática, temporal, geográfica e idiomática.” (COSTA, T; et,all, s.d.)

Nessa linha de discussão, várias outras propostas de substituição ou de modificação do uso do fator de impacto têm sido ventiladas, sendo uma delas o coeficiente de peso, o Weight Impact Factor, e o índice de prestígio, o Prestige Factor. Esses índices não diferem muito do fator de impacto tradicional, mas valorizam os artigos que são publicados em periódicos de alto relevo, contribuindo para um maior nível de confiança e de desenvolvimento da ciência na área da pesquisa, sendo interessante acompanhar os próximos desdobramentos sobre o tema.

Referências:

Costa, Teresa V.; Lopes, Sílvia; Fernandez-Llimós et.all. (s.d.) A Bibliometria e a Avaliação da Produção Científica: indicadores e ferramentas. Disponível em http://webpages.icav.up.pt/Pessoas/mccunha/Metodologia_Investiga%C3%A7%C…

Darosi e Anderle. (2014) Mapeamento da Produção Científica Internacional sobre Inteligência de Estado. Espacios. Vol. 35, n  5. Disponível em: http://www.revistaespacios.com/a14v35n05/14350405.html

Akerman, Marco. (2013). Medidas de experiencia e cienciometria para avaliar impacto da produção científica. Revista de Saúde Pública, 47(4), 824-828. https://dx.doi.org/10.1590/S0034-8910.2013047004756

Pinto, Angelo C., & Andrade, Jailson B. de. (1999). Fator de impacto de revistas científicas: qual o significado deste parâmetro?. Química Nova, 22(3), 448-453. https://dx.doi.org/10.1590/S0100-40421999000300026

Vanti, Nadia Aurora Peres. (2002). Da bibliometria à webometria: uma exploração conceitual dos mecanismos utilizados para medir o registro da informação e a difusão do conhecimento. Ciência da Informação, 31(2), 369-379. https://dx.doi.org/10.1590/S0100-19652002000200016

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Sobre o Autor

Eduardo Leite é doutor em administração pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) em Portugal e editor da E3 – Revista de Economia, Empresas e Empreendedores na CPLP.