A forma com que hoje fazemos e comunicamos ciência não é a mesma de 20 anos atrás. Novas tecnologias nos trouxeram novas possibilidades, mas também novos desafios para quem produz ciência e precisa comunicar o que faz. Hoje mais que nunca, a divulgação científica é tão importante e relevante, atualmente, mais que nunca temos ferramentas melhores para torná-la realidade.
A Internet, por exemplo, possibilitou uma distribuição eletrônica de conteúdos a um custo radicalmente mais baixo, o que provocou mudanças profundas no panorama da comunicação mundial como um todo, e a ciência não ficou de fora nesse processo.
Para enfrentar esses novos desafios da Internet, uma das ferramentas cada vez mais presente no arsenal dos pesquisadores é a divulgação científica, que pode aumentar o impacto das pesquisas científicas ao se destacarem frente ao mar de conteúdo. Essas mudanças ainda estão em fluxo, mas nós do Galoá já trabalhamos para ajudar os pesquisadores a se aproveitarem dessas novas ferramentas e, com isso, promover o avanço da ciência.
Os desafios e oportunidades da divulgação científica e de conteúdo na era da Internet
A criação da Internet comercial mudou a forma como conteúdos (textos, vídeos, música e – por quê não? – produção científica) são distribuídos e consumidos. Essas mudanças ainda estão em fluxo e onde vão parar ainda é uma questão em aberto. Para discuti-las, gostaria de trazer duas ideias que ajudam a pincelar esse novo panorama: o da Cauda Longa (ou Long Tail, em inglês) e o de Information Overload (em tradução livre seria uma Sobrecarga de Informações).
A Cauda Longa é um dos primeiros conceitos teóricos utilizado para explicar (entre outras coisas) as novas formas de economia e comunicação facilitadas pela Internet. O conceito estatístico de cauda longa existe desde a década de 1940 e se refere a uma distribuição estatística, como exposto na imagem abaixo: nela há uma forte concentração de elementos genéricos à esquerda e uma longa cauda à direita.
No começo da década de 2000, essa distribuição estatística foi aplicada pelos escritores Chris Anderson e Clay Shirky para descrever a organização da distribuição de conteúdo na era da Internet. A concentração à esquerda (na cabeça) é o que chamamos de mainstream, a distribuição de cultura em massa, com assuntos mais genéricos e de interesse geral. Já a cauda longa são várias interações extremamente diversificadas, com conteúdo específico, sendo produzido para apenas um pequeno nicho.
A argumentação de Anderson e Shirky é que os meios de comunicação pré-Internet favoreciam o mainstream, pois poucos produtores de conteúdo podiam arcar com os alto custos de produção e distribuição de conteúdo – imprimir um livro, uma revista ou montar uma rede de televisão. Esses custos altos impunham uma barreira de entrada, de forma que a própria forma de comunicação tendia a uma massificação e uma concentração em um pequeno número de produtores de conteúdo.
Hoje, com a distribuição eletrônica, o custo de divulgação de um livro, um artigo, uma música ou até mesmo um vídeo pela Internet são radicalmente mais baratos. Não só as barreiras de entrada são muito menores, mas também a Internet permite que um grande número de produtores de conteúdo se comuniquem direto com um pequeno público cativo, chamados de nichos, que são grupos de pessoas mais interessadas e ativas sobre a discussão de um assunto.
O conceito de Cauda Longa explica com sucesso o aumento da diversidade de produção de conteúdo na Internet (e suas implicações econômicas), mas não é capaz de dar um tratamento adequado a todos os fenômenos relacionados à distribuição de conteúdo na era atual. Destaco dois pontos principais onde o conceito falha:
- Em primeiro lugar, muitas vezes a interação entre o nicho e o mainstream se dá de formas inesperadas. Por exemplo, corriqueiramente um vídeo do YouTube “viraliza” e atinge muitas pessoas. Uma foto mal-tirada de um vestido azul-e-preto-ou-branco-e-dourado, ou o vídeo de um gatinho mal-humorado, captura a atenção de todas as redes sociais por dias, mas some tão rápido como surgiu.
- Em segundo lugar, os grandes players – as redes de TV, Hollywood, os best-sellers, revistas impressas e mesmo os financeiramente combalidos jornais diários – continuam demonstrando força e relevância na era da Internet, contrariando algumas interpretações de que a Cauda Longa substituiria significativamente a mídia mainstream.
Por fim, uma segunda noção relevante para a nossa discussão sobre a Internet, mas que ainda não foi totalmente compreendida e nem apropriadamente teorizada, é o de Information Overload. A ideia é que existe uma explosão de conteúdo disseminado pela Internet. Ou seja, somos expostos, diariamente, a um excesso de informações diversas, o que dispersa a todos. Nesse mar de informação, resta apenas à ciência nichada investir em novas estratégias para se destacar frente a concorrência de distração, sendo a divulgação científica um caminho a se traçar.
As novas interações e suas consequências para o meio científico
A ideia de nichos, tão importante para o conceito da Cauda Longa, pode soar familiar para um cientista. Por exemplo, o matemático francês Henri Poincaré (da virada do século XIX para o XX) foi uma vez descrito por um colega, Eric Temple Bell, como sendo o “último matemático a conhecer toda a Matemática de seu tempo”. Ele se referia não só à incrível habilidade de Poincaré, mas também ao fato de que, a partir da virada do século, a matemática se tornou muito mais ampla e complexa do que a capacidade de qualquer pessoa compreendê-la inteiramente sozinha.
Isso tende a ser verdade em várias escalas para cada área da ciência. A produção científica do século XXI se posiciona certamente na Cauda Longa – uma grande diversidade de produções, cada qual consumida por um pequeno público especializado.
No entanto, mesmo que a divulgação da produção científica já fosse antes da Internet muito fragmentada, a situação se tornou ainda mais caótica (no bom sentido) depois da Internet.
Há vinte anos, o ciclo de vida para a produção científica era mais simples: você escrevia, submetia para as revistas (quanto mais prestigiada melhor), esperava a revisão pelos pares e quando seu artigo fosse publicado, o ciclo estaria concluído.
Hoje, as opções são muito mais amplas, já que existem muito mais revistas disponíveis para se publicar (infelizmente, isso inclui também as publicações predatórias), além de repositórios de pré-print como o Arxiv, que se tornaram corriqueiros em muitas áreas, e os anais de evento, que vêm ganhando cada vez mais relevância como forma de publicação científica.
Assim, hoje há uma diversidade muito maior de pessoas publicando sobre diferentes assuntos e formatos. Por mais que isso seja algo muito positivo, a área científica está precisando se ajustar ao inegável Information Overload. Se uma ou duas gerações atrás era possível estar a par de todas as novidades de sua grande área consultando regularmente as principais revistas científicas, hoje isso é impossível.
Isso quer dizer que publicar já não é mais o suficiente. É preciso utilizar a divulgação científica para ir além e fazer com que a pesquisa tenha um impacto efetivo no mundo.
A divulgação científica
Para navegar nesse novo panorama, passa a ser pertinente para o pesquisador compreender mais a fundo a forma com que a comunicação científica opera.
A divulgação científica, por exemplo, é o ato de comunicar a produção científica para um público mais amplo. O linguista Carlos Vogt (conforme explicou em uma entrevista para o Galoá) propôs uma espiral da cultura científica, na qual a escrita técnica (como a publicação de um artigo científico) é o primeiro quadrante na espiral e a divulgação o último.
Nesse conceito, a divulgação não é simplesmente complementar, mas uma continuidade natural do processo de publicar um artigo; assim a sociedade incorpora o conhecimento e a ciência avança para outro nível. Ou seja, a divulgação também tem o papel de promover uma sociedade mais democrática para que o público possa tomar decisões informadas, sendo inclusive ressaltada em ações de popularização da ciência do CNPq.
Por isso a divulgação científica não deve ser entendida como um acessório, mas sim como uma ferramenta necessária para que a pesquisa cumpra o potencial que tem de impactar a sociedade e a comunidade científica.
Deve-se ressaltar que a comunicação para o público em geral também pode moldar a percepção pública sobre a ciência e consequentemente interferir no investimento em pesquisas.
Voltando para os dois conceitos apresentados no início deste texto, observa-se que a divulgação científica nos permite, em primeiro lugar, a fazer uma ponte entre o nicho original (leitores especializados na área da pesquisa), com outros nichos próximos (pesquisadores de outras áreas que não são especializados mas podem ter um interesse na pesquisa), para nichos maiores (público em geral interessado em ciência) e até mesmo para o mainstream. A divulgação é também um ato de transferir a pesquisa para um público novo.
A divulgação científica também é uma ferramenta contra o Information Overload porque permite que uma pesquisa ganhe mais voz, além do ruído de fundo, para alcançar mais pessoas e gerar mais impacto. Esse esforço para aumentar o alcance da pesquisa já se tornou comum na comunidade internacional e vem sendo cada vez mais costumeira no Brasil, com iniciativas como os projetos de divulgação promovidos pela base SciELO e o Pesquisa em Destaque promovido pelo Galoá.
É claro que mesmo com a consciência da importância da divulgação científica, não é fácil para o pesquisador ter mais uma atividade em sua rotina. Ciente disso, nós no Galoá nos dedicamos em sempre desenvolver ferramentas e estratégias que facilitam a comunicação científica para pesquisadores, seja na comunicação científica especializada (hospedando periódicos em OJS ou oferecendo a gama de serviços para eventos), ou em estratégias de divulgação científica com a série Pesquisa em Destaque e nossas outras atividades nas redes sociais.
A comunicação e divulgação científica são aliadas importantes para o avanço da pesquisa brasileira, e nós do Galoá estamos aqui para colaborar nessa missão. Caso você queria embarcar nessas novidades crescentes para ter um impacto maior de sua pesquisa, converse conosco. Somos especialistas no assunto. E fique à vontade também para comentar aqui no nosso blog suas experiências.
Leia mais:
- José Reis, o caixeiro viajante da ciência
- Entrevista: Carlos Vogt e a espiral da cultura científica
- Periódicos que influenciaram nossa comunicação científica
- Pesquisa em Destaque
¹A ideia de Cauda Longa foi sugerida em um ensaio de Shirky em 2003 e depois popularizada em um artigo de 2004 de Anderson para a revista WIRED, depois expandido em um livro de 2006. The Long Tail: Why the Future of Business is Selling Less of More./\