Contra cortes de financiamento, a comunidade científica vai protestar no dia 08 de outubro de 2017, na cidade de São Paulo, na 3ª Marcha pela Ciência. A manifestação começa na frente do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), na Avenida Paulista, a partir das 15h do domingo.
Um dos principais objetivos da 3ª Marcha pela Ciência é o protesto contra o desmantelamento do parque científico-tecnológico brasileiro, tão necessário tanto para sustentar o desenvolvimento econômico do país como para atacar problemas genuinamente brasileiros (apenas para citar um exemplo, temos os estudos de doenças tropicais como na área de microcefalia e Zika, que o Brasil é líder de pesquisas no mundo).
Os cortes de verba que estão sendo promovidos ameaçam não só paralisar a Ciência brasileira neste momento, mas podem causar sequelas de longo prazo, como atraso na competitividade em diversos campos científicos, em relação a outros países.
Então, como combater essa crise e o que podemos fazer sobre ela daqui para frente? Isso que vamos discutir neste texto.
A crise do financiamento e os cortes
Uma das principais emergências que motiva a Marcha é o corte radical de orçamento para a Ciência, tanto na União quanto nos estados.
Como comentamos em um texto anterior sobre as Marchas pela Ciência, 44% no orçamento de 2017 para o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC) foi contingenciado. Isso significa que do orçamento previsto de 6,2 bilhões para o Ministério, sobraram apenas R$ 3,2 bilhões, sendo que desses somente R$ 2,5 bilhões são para Ciência e Tecnologia (C&T).
O que torna a situação mais agravante ainda, é que esse é o menor orçamento oferecido para a pasta nos últimos 12 anos, que só tende a atrasar as pesquisas brasileiras.
Para se ter uma ideia do impacto negativo dessa medida, basta ver o orçamento do CNPq, uma das principais agências de fomento do país:
Vale ressaltar: depois de um período de doze anos de crescimento constante do orçamento, o CNPq teve em 2016 um orçamento de menos da metade do orçamento de 2014.
A proposta inicial de orçamento para 2018 é ainda pior e corta pela metade os investimentos em Ciência e Tecnologia, para apenas R$ 2,7 bilhões. Com o detalhe que o valor real a ser destinado pode ser ainda menor se, como ocorreu em 2017, houver um novo contingenciamento. Para exemplificar o caos que está se instalando para a ciência brasileira, o acelerador de partículas Sirius, o maior projeto científico do Brasil que pretende colocar o país na liderança de produção de luz síncrotron e abrir caminhos para diversos campos científicos, não tem recursos previstos no orçamento.
Se essa é a situação no governo federal, em alguns estados a situação consegue ser pior. Como relatou nossa colunista, Darcilia Simões, o descaso do governo do Estado do Rio de Janeiro colocou à beira do abismo a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), uma das mais importantes universidades do país.
Falta de receita ou de falta de prioridade?
Em tempos de queda de receitas, é natural que seja preciso cortar gastos, mas a priorização passa longe da Ciência e Tecnologia (C&T).
Para ter uma ideia melhor do tamanho desses números, compare os R$ 2,7 bilhões de orçamento previstos para o ano que vem, com cerca de R$ 10 bilhões que foram perdoados de dívidas de ruralistas em agosto de 2017, por exemplo.
Quando se torna necessário cortar gastos, é essencial pensar de modo estratégico. Ao colocarmos, como país, a Ciência brasileira na corda-bamba, estamos comprometendo décadas de crescimento econômico.
A grande questão, da qual ninguém tem uma resposta precisa, é: mesmo que os cortes sejam momentâneos, quanto tempo de corte é necessário para causar danos irreversíveis? Quantos tempo sem oxigênio no cérebro é necessário para causar sequelas?
Conhecendo-se o risco, por que não se investe mais em Ciência ou, pelo menos, não se garante a continuidade do que já temos em andamento? O problema é bipartite.
Parte desses cortes advém da completa ausência de pensamento estratégico para o país. Vai além do escopo deste post falar isso, no entanto, você pode ler um bom exemplo de pensamento estratégico com Ciência na palestra do Prof. Gonçalo, da Unicamp, no Pint of Science.
Mas, além disso, também há uma crise na forma com que a comunidade científica é percebida e se relaciona com a sociedade.
A percepção da Ciência
Assim que assumiu o governo, o atual presidente Michel Temer desmontou o MCTI, fundindo-o com o Ministério das Comunicações. Esse desmanche foi amplamente rejeitado pela comunidade científica, mas esse repúdio não reverberou na sociedade e o Ministério permaneceu rebaixado. Por que?
Mundialmente, tem se proliferado uma certa ideologia anti-Ciência. Nos Estados Unidos, um presidente abertamente hostil à Ciência, entre outras ações questionáveis, colocou como chefe da NASA (National Aeronautics and Space Administration) um negacionista do aquecimento global. No Brasil, um dos principais sintomas desse movimento é a aberração que é o “Escola Sem Partido”, que fomenta histeria e pânico moralista num espaço (a escola) que deveria primar por uma discussão racional e científica.
A Marcha pela Ciência existe por um motivo: para poder dizer à sociedade e aos governos que precisamos, coletivamente, de investimento consistente em C&T, para atacar de forma firme os problemas da sociedade.
E é importante lembrar o potencial da posição que ocupamos. No século XXI, pouca coisa tem mais poder de transformação de uma sociedade do que a Ciência. Vale lembrar, por exemplo, da famosa frase “é a economia, estúpido”, cunhada pelo marketeiro do presidente americano Bill Clinton na sua eleição vitoriosa de 1992, a qual ele se referia à importância da perspectiva de crescimento econômico – principalmente pessoal – nas decisões políticas das pessoas.
Assim, para pensar a percepção da Ciência, podemos pensar no impacto que ela pode causar na vida das pessoas. Por exemplo, um pequeno agricultor pode não participar dos meandros da produção científica, mas, provavelmente, reconhece a importância do investimento em pesquisas na área agrícola (em que o Brasil também é referência) quando a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) lhe fornece sementes e tecnologia que lhe permite aumentar sua renda e, muitas vezes, até qualidade dos produtos e de ambiente de trabalho. Da mesma forma, uma família humilde deve compreender a importância de investimento que possibilitou, por exemplo, 18 novas Universidades Federais nas últimas duas décadas, quando um de seus filhos tem chance de ascensão social através da educação.
Isso acontece porque a Ciência tem esse poder transformador de atingir as vidas de todos, não só com o conhecimento, mas também com os frutos desse conhecimento, como melhorias rotineiras com os novos projetos arquitetônicos e urbanos, remédios distribuídos, vacinas desenvolvidas, entre uma infinidade de problemas sociais que a Ciência se dedica
Então, ao invés de apenas nos lamentarmos com os cortes, precisamos nos propor uma difícil pergunta: como estamos, como pesquisadores e sociedade, falhando em dar para o país as ferramentas que ele precisa para se desenvolver?
Organizar-se é um primeiro passo para respondê-la.
Venha marchar conosco em defesa da Ciência brasileiro. A manifestação é aberta para todos que se preocupam e se sensibilizam com os graves cortes e descasos que temos visto em C&T.
Se você tiver disponibilizada de ir até a cidade de São Paulo no dia 08 de outubro de 2017, a 3ª Marcha pela Ciência se iniciará em frente ao MASP, na Av. Paulista, a partir das 15h. Se não for do estado de São Paulo, confira no grupo do Facebook da Marcha pela Ciência Brasil outras mobilizações mais próximas de você. (Mais informações sobre a Marcha pela Ciência aqui)
E depois?
Marchar pela Ciência é apenas (se me permite o trocadilho) um passo da caminhada e existe um caminho árduo pela frente. Precisamos, acima de tudo, continuar produzindo e melhorando como nos comunicamos sobre ela para mobilizar e conscientizar mais pessoas.
Nossa missão no Galoá é melhorar a forma com que o cientista brasileiro se comunica, tanto com outros pesquisadores, como com a sociedade de maneira ampla. Por isso que trabalhamos, por exemplo, para revolucionar como se organizam Congressos e Conferências, e por isso também que apoiamos de perto o sarau científico Chopp com Ciência.
A Ciência não se faz só na bancada, é uma responsabilidade de nós pesquisadores e da comunidade científica em geral informar a sociedade da importância e do propósito do que trabalhamos diariamente.
Uma sociedade democrática precisa ter todas as ferramentas para tomar decisões informadas. Por isso, para a comunidade científica, comunicar-se e apresentar os seus resultados e impactos é mais que uma necessidade de sobrevivência. É uma responsabilidade civil.
É uma longa caminhada. E o primeiro passo começa neste 08 de outubro de 2017 em São Paulo: marchemos!