As primeiras referências científicas em língua portuguesa remontam aos séculos XV e XVI, mesma época que os portugueses empreenderam suas primeiras explorações marítimas.
Para revelar os caminhos do Oriente, foi preciso o uso da ciência e da tecnologia: A ciência para orientar as embarcações pelos astros no alto mar e a técnica para aperfeiçoar o navio mais comum – a caravela – para levar a bordo instrumentos que permitiram a localização em pleno oceano, como o astrolábio.
Nesse âmbito, sobressaíram importantes cientistas portugueses como Pedro Nunes, João de Castro, Garcia da Horta, entre outros nomes.
Recordando, rapidamente, sobre quem foi cada uma dessas personalidades, começamos por Pedro Nunes, matemático e cosmógrafo-mor (o mais alto cargo público que se dedica à cosmografia – ou o estudo do universo) do Rei D. João III. Entre suas ocupações, foi professor da Universidade de Coimbra, onde destinou aulas voltadas para navegantes e cartógrafos e fez descobertas importantes, como a loxodromia (ou Linha de Rumo) que é base para projeção de mapas no sistema Mercator.
Contemporâneo a ele, João de Castro, foi cartógrafo e escreveu (em português) três célebres “Roteiros da Índia”: O primeiro é o Roteiro da viagem que D. João de Castro fez a primeira vez que foi à Índia (1538) – ou “Roteiro de Lisboa a Goa” -, o segundo é o “Roteiro de Goa a Diu” (1538-1539) e o terceiro é o “Roteiro do Mar Roxo” (1540), também conhecido como “Roteiro que fez Dom Joam de Castro da Viagem que Fezeram os portugueses Desda India atee Soez”.
Em seu trabalho, João de Castro registrou esboços cartográficos, topográficos, plantas hidrográficas e descrições geográficas, sendo que o último roteiro foi traduzido para diversas línguas. João de Castro também relatou o desvio da agulha da bússola em certos lugares da costa onde havia metais, como o cabo das Agulhas em África.
Por sua vez, Garcia da Orta foi médico e botânico. Em 1563, escreveu os Colóquios dos Simples, Drogas e Cousas Medicinais da Índia. Essa obra atingiu, na época, uma expressão significativa, apesar de ter sido escrita na língua portuguesa, foi o primeiro tratado de medicina tropical conhecido e alcançou uma forte repercussão internacional, a ponto de ser traduzida para castelhano e francês. Deve-se salientar que o autor descreveu espécies botânicas desconhecidas do Ocidente e as suas aplicações farmacológicas. Foi, ainda, pioneiro na identificação da cólera e outras doenças tropicais até então desconhecidas.
Nos séculos seguintes, foram surgindo outros nomes igualmente importantes como, por exemplo, Bartolomeu Lourenço de Gusmão e Jacob de Castro Sarmento. O primeiro foi um sacerdote, cientista e inventor brasileiro, mais especificamente de Santos, tendo-se tornado célebre por ter inventado o primeiro aeróstato operacional, que designou de “passarola”, valendo-lhe a alcunha de padre voador. O segundo foi médico português de origem judaica que se exilou em Londres, tendo-se notabilizado por ser o primeiro tradutor de Newton para português.
Assim, a dinâmica científica portuguesa originou a tecnologia que permitiu as explorações marítimas, sendo que essas originaram novas descobertas, inspiraram pessoas e revelaram grandes nomes da ciência da época.
Todavia, ao sucesso histórico sucedeu na atualidade um panorama empreendedor e científico completamente distinto. O português deixou de ser uma língua científica, sendo totalmente ultrapassada pela língua inglesa.
Publicações em inglês e publicações em português
Segundo últimos dados da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) no Brasil, quando os autores de língua portuguesa publicam em português em revistas nacionais são, em média, cinco vezes menos citados do que quando publicam em revistas internacionais.
Já se os mesmos autores de língua portuguesa publicarem em revistas nacionais, mas em inglês são, em média, quatro vezes menos citados do que quando publicam em inglês e em revistas internacionais.
Desta forma, pode-se deduzir que as revistas científicas nacionais, tanto em português como em inglês, são menos procuradas/cotadas do que as suas congéneres internacionais de língua inglesa. Compreende-se, por isso, que a tendência dos autores de língua portuguesa seja de publicarem em inglês e, de preferência, em revistas internacionais.
Nas circunstâncias atuais, publicar em inglês é sem dúvida uma das condições da internacionalização da pesquisa (Leia mais: Publicar em inglês? Alcance, comunidades e outras questões da língua em que publicamos).
Ainda mais porque os instrumentos de bibliometria científica não refletem o diálogo entre as comunidades linguísticas, mas apenas a hegemonia absoluta da língua inglesa, não nos restando muitas alternativas.
Contudo, penso ser um erro reduzir a produção e a circulação de conhecimento científico a uma única língua veicular. Temos o exemplo passado do latim que caiu em desuso, tendo sido substituído pelo vernáculo.
Nessa linha, assiste-se a uma desvalorização da língua portuguesa, negligenciando uma história secular e hipotecando o seu potencial presente e futuro, não apenas em termos científicos, mas em todos os campos em geral, muito especialmente no contexto dos negócios.
Segundo dados do Observatório da Língua Portuguesa, existem mais de 265 milhões de falantes de português em todo o mundo, o que coloca o português como a quarta língua mais falada do planeta, atrás do mandarim, do castelhano e do inglês. A Bloomberg considera-o a sexta língua mais utilizada nos negócios.
Por esta razão, não se compreende a subjugação do português face ao inglês, ademais imposta pelas nossas próprias autoridades. O português não é comparável a outras línguas pouco faladas como por exemplo o holandês, cujas publicações científicas têm um diminuto impacto se não forem apresentadas em inglês.
O mercado de língua portuguesa tem uma escala significativa e está a ser subaproveitado especialmente no plano econômico. O volume de negócios entre os países membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa apresenta uma média de US$ 13 mil milhões de dólares ao ano – medida usada em Portugal (nosso colunista é português) – , o que representa pouco mais de 2,3% das negociações totais que estes estados realizam no mundo, valor total que gira em torno de US$ 550 mil milhões de dólares por ano. Enquanto a China, por exemplo, possui trocas comerciais com a CPLP que chegam a representar um volume de US$ 77 mil milhões de dólares.
Outro exemplo sobre a relevância econômica que a língua portuguesa possui é que 50% dos recursos petrolíferos descobertos na última década estão na CPLP. Em meados deste século, o gás e petróleo de Angola, Brasil, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé representará 30% da produção mundial de hidrocarbonetos, o equivalente à produção atual do Médio Oriente.
Acresce a esses valores a produção petrolífera da Guiné Equatorial, a terceira maior ao sul do Saara após a Nigéria e Angola, esse último é o país mais rico da África subsariana com 35 mil dólares de rendimento per capita – semelhante ao do Reino Unido -, embora 78% dos seus habitantes vivam abaixo do limite da pobreza. Isso também foi, recentemente, avaliado pelo World Economic Outlook, em 2016, tendo atribuindo à CPLP um valor aproximado de 2,7 biliões de euros.
Todavia, todo esse potencial da CPLP, infelizmente, está muito dependente do desempenho científico da nossa língua.
“A portuguesa língua, e já, onde for, Senhora vá de si, soberba e altiva. Se téqui (SIC) tem andado baixa e sem louvor, culpa é dos que a mal exercitaram, esquecimento nosso e desamor…” (António Ferreira in carta a Pero Andrade Caminha, século XVI).
*Texto foi publicado na íntegra como editorial da revista que Eduardo Leite é editor. O autor adaptou e autorizou a publicação da nova versão.
Referência:
Leite, E. (2015). A minha pátria é a língua Portuguesa. Editorial, E3 – Revista de Economia, Empresas e Empreendedores na CPLP. v1.n1. 1-4p.