A introdução das recentes tecnologias de comunicação nas unidades de informação trouxe impactos significativos para as bibliotecas, além de terem influenciado nas novas formas de sociabilidade entre os bibliotecários e os seus leitores.
Essas tecnologias de informação e comunicação já são entendidas por alguns bibliotecários como elementos facilitadores na execução das tarefas quotidianas do seu trabalho. Por seu lado, os frequentadores tanto de bibliotecas físicas quanto virtuais vêm nas tecnologias de informação e comunicação um elemento imprescindível no processo de busca das informações e do conhecimento, tornando-os mais independentes nas suas leituras e investigações.
Anteriormente à era digital, as atividades dos bibliotecários estavam direcionadas principalmente em manter o acervo da biblioteca que era a única fonte de consulta. Já na era digital, os bibliotecários continuam centradas na preservação da informação, independente do suporte em que esteja disponível, mas utilizando as tecnologias para facilitarem a reprodução dessas informações numa múltipla variedade de formatos, originando um volume maior de dados e de acessos pelos leitores.
Em função da passagem à era digital, as bibliotecas se transformaram em centros dinâmicos de informação, em detrimento do modelo do passado quando a imagem das bibliotecas estava associada à ideia de um espaço que se assemelhava a um depósito de livros, onde os bibliotecários desempenhavam apenas o papel de guardiães.
Em vez disso, os bibliotecários passaram a estar centrados em atender melhor as necessidades dos leitores, mantendo-se constantemente atualizados e acompanhando a evolução das tecnologias. Dessa forma, proporcionam aos seus frequentadores serviços de qualidade, através de um acesso atualizado e democrático da informação, como comentaremos neste texto.
Para entendermos melhor como está acontecendo essa mudança de serviço e centralização de atividades, usaremos como estudo de caso a Biblioteca Bodleiana da Universidade de Oxford (Inglaterra), referência nesse tipo de adaptação.
A Biblioteca Bodleiana em Oxford
Para quem não está familiarizado, vale relembrar que a Biblioteca Bodleiana existe oficialmente há mais de 400 anos, sendo que sua coleção começou no século XIV com Thomas Cobham, bispo de Worcester. Após a biblioteca não receber manutenção da universidade e entrar em declínio, o diplomata inglês Thomas Bodley (que havia se casado com uma viúva rica) re-fundou o espaço a fim de que existisse uma biblioteca em Oxford, essa que é conhecida como “Bodleian Library” ou “Bodley’s Library”.
Hoje, a Biblioteca Bodleiana é uma das mais antigas da Europa, sendo que em termos de tamanho a sua coleção fica atrás apenas da Biblioteca Britânica (British Library) na Inglaterra, demonstrando seu respeito como biblioteca histórica e vasta coleção.
Para entendermos como a biblioteca mudou e se adaptou às novas tecnologias, é necessário entender que ela começou como um depósito legal dos livros disponíveis no Reino Unido, desde 1610, quando entrou em acordo com a Stationers’ Company (que monopolizava a indústria editorial), tornando-se na primeira biblioteca depósito.
Até 1753, as bibliotecas de Oxford, num primeiro momento, e depois de Cambridge desempenharam o papel de bibliotecas nacionais do Reino Unido; isso é, até a abertura do Museu Britânico (British Museum) que ainda hoje possui a Biblioteca Britânica. Em primeiro lugar, os livros tinham de passar por Stationary’s Hall, sendo que hoje em dia os publicadores podem ir lá entregar os livros de forma mais direta e em menos tempo.
Principais desafios da era digital e respostas das bibliotecas históricas
A avaliar pela literatura sobre biblioteconomia, como Morigi e Souto (2005), as bibliotecas históricas tinham um caráter restritivo e estático, sendo os livros de difícil reprodução e mobilidade, o que fazia delas uma espécie de templo do conhecimento e dos bibliotecários os seus guardiães.
Esse paradigma de biblioteca se manteve até relativamente pouco tempo sendo que a introdução das novas tecnologias de informação e comunicação permitiu uma mudança mais rápida, no sentido de as bibliotecas históricas se transformarem em centros dinâmicos de informação. Esse novo paradigma de bibliotecas apresenta vantagens para os bibliotecários e para os seus frequentadores, como já mencionado sobre o maior volume de informação e conhecimento recebido e disponibilizado de forma mais cômoda e célere.
Os bibliotecários deixaram, assim, de serem guardiães dos espaços e do acervo para terem um papel mais proativo na recepção, organização e disseminação do conhecimento direcionado para o leitor, cada vez mais exigente e autônomo.
Nesse contexto, alguns dos principais desafios das bibliotecas históricas e dos bibliotecários da era digital são:
- Como transformar uma biblioteca histórica numa biblioteca voltada para os leitores?
- Como deixar de ser um depósito de livros e se tornar num centro dinâmico de informação e conhecimento?
- Como lidar com as novas tecnologias e deixar os procedimentos tradicionais?
- Como lidar com o maior volume de informação e de solicitações, que podem vir de pessoas locais ou de qualquer outra parte do mundo?
- Como aferir a qualidade da informação a ser disponibilizada?
- Como compreender melhor as necessidades dos usuários e atender às suas solicitações?
- Como uma biblioteca histórica pode disponibilizar o seu conhecimento para fora da sua cidade ou região?
Sobre essas dúvidas, a Biblioteca Bodleiana é um exemplo de adaptação à nova realidade. Apesar de ser uma biblioteca histórica, persiste nos dias de hoje como uma das melhores do mundo, tendo assimilado todas as inovações e introduzido no seu sistema bibliotecário com sucesso.
A Biblioteca Bodleiana respondeu aos desafios da era digital desenvolvendo os programas como: Legal Deposit Libraries Act of 2003, electronic Legal Deposit e Search Oxford Libraries Online. Esses programas são centralizados e geridos pela Bodleian Digital Library Systems and Services e se traduzem numa série de serviços aos usuários, que anteriormente não existiam, como a consulta online e um acervo que fisicamente seria impossível de ter no edifício da biblioteca e em tão curto espaço de tempo, desde a sua publicação.
Isso aconteceu porque em 2003, com o Legal Deposit Libraries Act of 2003, a biblioteca se estabeleceu também como equivalente a um depósito legal eletrônico, não apenas um mero depósito de livros. Isso permitiu acesso a e-books, páginas web, CR-ROMs, itens em microfilm, entre outros documentos eletrônicos publicados no Reino Unido. Esse projeto, englobou todos os livros (incluindo revistas e jornais), folhas com pautas de música e mapas.
O novo formato foi disponibilizado à comunidade acadêmica, com a limitação de só poder ser acessado através de computadores que pertencessem à Biblioteca Bodleiana, que agora possui um arquivo catalogado e organizado para o seu uso. Chamaram-lhe de electronic Legal Deposit (eLD).
Outro serviço é o SOLO (Search Oxford Libraries Online), que se trata de um sistema bibliotecário com um catálogo online, permitindo pesquisar mais de 7 milhões de registos de livros e 13 milhões de registros de itens. Ele é o principal catálogo eletrônico das 40 bibliotecas que integram a Biblioteca Bodleiana, a Oxford University Research Archive que é um depósito eletrônico de artigos de investigação da autoria de membros de Oxford.
Como Oxford é um centro de investigação mundial, também sedia o Oxford University Research Archive (ORA), voltado para atender pesquisadores de material de pesquisa adequado e catalogado.
O ORA também tem trabalhos publicados pelos investigadores de Oxford, com artigos publicados em revistas acadêmicas, trabalhos de conferências (também conhecido como anais de eventos ou proceedings), relatórios, trabalhos de discussão, teses de doutoramento dos alunos de Oxford em formato digital, entre outros materiais.
Esse tipo de serviço permite um fácil acesso a itens raros com uma consulta simples na era digital, o que também permite uma maior visibilidade aos trabalhos acadêmicos. Consequentemente, esse aumento de visibilidade está atrelado a um aumento do conhecimento em geral e dos trabalhos de pesquisa, motivo para estarem desenvolvimento o ORA-Data, que é um arquivo para itens relacionados apenas com pesquisa.
Como parte do electronic Legal Deposit (eLD) está ainda o projeto Legal Deposit Web Archive que se dedica exclusivamente à preservação de páginas web para que possam ser consultadas no futuro. No mesmo depósito há também uma seção específica para os e-books, chamada E-books at the University of Oxford.
Há algumas partes da biblioteca eletrônica que são mais restritas, sendo que apenas os membros da biblioteca têm acesso, ou seja, quem possui cartão de membro da mesma. Por exemplo, o Oxford Libraries Information Platform (OxLIP+), que é uma lista eletrônica de bases de dados organizadas por título e assunto, é restrita. Nessa plataforma, está incluído o projeto Oxford University e-journals que possibilita o acesso a todos os e-journals que a Universidade de Oxford assina.
Na mesma linha, existe o sistema OXAM voltado para estudantes da universidade desde 1999. Trata-se de uma espécie de catálogo eletrônico com todos os exames realizados na Universidade de Oxford desde esse ano para facilitar o acesso e estudos dos alunos.
O futuro na visão e projetos da Bodleiana
A Biblioteca Bodleiana tem um grande desenvolvimento em termos de suportes eletrônicos e também uma forte preocupação em preservar o conhecimento para gerações futuras. Para isso, realiza algumas iniciativas com o apoio de doações por parte de fundações internacionais, entre elas a Polonsky Foundation e a Wellcome Fund.
Nesse caso, gostaria de destacar o papel interessante da Polonsky Foundation, uma fundação hebraica que apoia um projeto de digitalização de obras da Biblioteca Bodleiana e do Vaticano que tenham temáticas das culturas hebraica ou grega, com foco em manuscritos, incunábulos e livros impressos que datem do século XV. Após o seu término, vão ficar disponíveis eletronicamente cerca de 1.5 milhões de folhas desses livros, num esforço para preservar, partilhar e disponibilizar conhecimento a uma escala mundial.
Existem, ainda, ações de formação para a potencialização da plataforma digital, majoritariamente, na área das humanidades, como por exemplo a iniciativa Digital Humanities, que é capaz de chamar pessoas de todo o mundo, desde alunos, diretores de projetos, até bibliotecários que reconhecem o espírito vanguardista da Biblioteca Bodleiana.
Nesses encontros, tentam-se obter conhecimentos e experiências para aplicar nos seus projetos. A iniciativa fomenta a troca de experiências e dissemina conhecimento, especialmente no campo eletrônico, ensinando desde o mais básico de como codificar textos até como criar bibliotecas digitais.
Ou seja, há um esforço para que para todas as exposições presentes na biblioteca estejam disponíveis para consulta eletrônica, sendo possível verificar que é um esforço bem-sucedido porque já existem cerca de 30 exposições disponíveis na página web, nomeadamente: Latin in Medieval Britain: Sources, Languages and Lexicography; Love and Devotion: from Persia and Beyond, Treasures of the Bodleian, entre outros.
Salienta-se que as mesmas têm imagens e descrições do que estamos a ver que se assemelham muito à estrutura de uma exposição fora de uma plataforma virtual, traduzindo o cuidado com o desenvolvimento tecnológico nas atividades, já que há muita atenção nos detalhes e disponibilidade de conhecimento a ser preservado.
Entre tantas ações, a Biblioteca Bodleiana desenvolve ainda diversos blogues para manter os leitores e usuários desses sistemas informados sobre quais as mais recentes inovações ou aquisições do sistema, a exemplo o Polonsky Foundation Digitization Project.
Em função desses projetos que beneficiam do uso de tecnologia da era digital, a Biblioteca Bodleiana deixou de ser estática, passiva, receptora de leitores que procuravam os seus livros guardados na biblioteca, passando a ser uma biblioteca dinâmica, proativa e prestadora de serviços focados nas necessidades dos leitores, um dos desafios que a era digital colocava às bibliotecas históricas.
Antes dessas mudanças, muitas vezes diversos outros pesquisadores britânicos ou estrangeiros poderiam conhecer a Biblioteca Bodleiana, mas a distância podia dificultar a consulta da informação, o que foi contornado com a disponibilização online dos documentos por parte da biblioteca. Outro exemplo disso é o caso de documentos medievais, que, através do processo de digitalização, garantem acesso e preservação, além de conforto na consulta e acesso universal. Ou seja, a era digital permitiu à Biblioteca Bodleiana estar fisicamente em Oxford e virtualmente no mundo, evitando deslocações dos usuários.
Fechando os pontos: A tecnologia nas bibliotecas físicas
Percebe-se, assim, que uma biblioteca histórica, como o caso da Biblioteca Bodleiana, pode responder às necessidades da era digital, desenvolvendo programas de tratamento e disseminação da informação com recurso tecnológicos e conhecimento disponíveis no mercado.
Ao mesmo tempo que não perde o acervo físico, passa a ter um acervo digital disponível não apenas em Oxford, mas também em qualquer computador no mundo com os diversos programas mencionados
Voltando a algumas perguntas que propus, posso dizer sobre:
- Quais os principais desafios impostos pela era digital às bibliotecas físicas?
Os principais desafios das bibliotecas digitais são a qualidade de serviços prestados, a pensar no usuário para responder ao grande volume de informação produzido no mundo, e não apenas na cidade ou região.
- Qual a forma como os bibliotecários e as bibliotecas físicas tradicionais estão a responder a esses desafios?
As bibliotecas histórias incorporaram a tecnologia no seu sistema de funcionamento para focar no conforto e necessidades dos usuários ao disponibilizar a informação online. Isso também permite que as bibliotecas alcancem mercados maiores.
Quanto a trabalhos futuros, o desafio que permanece é de saber até que ponto as bibliotecas vão conseguir acompanhar o desenvolvimento tecnológico que continua a crescer a um ritmo impressionante, mantendo os padrões de qualidade de serviços e conteúdos. Nesse sentido, qual será o valor futuro das publicações em papel, face ao crescimento e desenvolvimento da era digital? Qual a importância da existência um espaço físico para as bibliotecas?
Pontos ainda abertos para serem acompanhados com atenção.
Nota: Gostaria de agradecer ao Prof. Dr. Nuno Rosmaninho, da Universidade de Aveiro, pela ajuda ao longo da escrita deste texto.
Referência
Morigi, V. e Souto, L. (2005). Entre o passado e o presente: As visões de biblioteca no mundo contemporâneo. Revista ACB, v. 10, n. 2, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.
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