Publicar em inglês? Alcance, comunidades e outras questões da língua em que publicamos

Publicar em português ou em inglês? Esta é uma pergunta comum entre os pesquisadores brasileiros, mas não é uma questão restrita a nós.

Em 2000, 96% do conteúdo indexado pelo Journal Citations Report era em inglês. Mesmo levando em conta um provável viés a favor do inglês no relatório, ele atesta a incontestável posição do inglês como língua franca da comunidade científica.

Encontrei esta semana duas matérias interessantes sobre o assunto: um artigo do blog SciELO, comentando o aumento da produção de em inglês na plataforma, e um artigo da BBC escrito pelo jornalista Matt Pickles, sobre a proeminência do inglês nas publicações científicas mundiais. Ambos os textos me provocaram e escrever este artigo.

Uma língua-franca para uma comunidade internacional

Ao publicar exclusivamente em português, nós corremos o risco de falar apenas para nós mesmos e deixar restrita a nossa produção dentro de nossas barreiras linguísticas.

Primeiramente os números: segundo o linguista Ranier Enrique Hamel, citado pelo artigo de Pickles na BBC, 36% das publicações científicas em 1880 eram em inglês (por si só, um número respeitável), tendo crescido para 64% em 1980.

Na plataforma SciELO, 35% dos artigos em 2011 eram exclusivamente em inglês, com mais 13% de artigos bilíngues. Em 2015, 45% dos artigos eram exclusivamente em inglês, e mais 17% de artigos bilíngues, com pouco mais de um terço de artigos exclusivamente em português.

O crescimento das publicações em inglês reflete uma tendência brasileira (e orientação do SciELO) de buscar a internacionalização da pesquisa feita no país. Um texto escrito em inglês tem um potencial de alcançar um público mais amplo e, assim, inserir a pesquisa brasileira de forma mais efetiva na comunidade internacional.

Ao publicar exclusivamente em português, nós corremos o risco de falar apenas para nós mesmos e deixar restrita a nossa produção dentro de nossas barreiras linguísticas.

A ciência brasileira foi construída em diálogo aberto com a ciência estrangeira, desde quando as universidades brasileiras trouxeram diversos professores da Europa durante seu processo de fundação (leia mais no artigo sobre a Berta Lange), ou quando a FAPESP foi montada em diálogo com as agências de fomento americanas (leia mais no nosso artigo sobre Paulo Vanzolini).

O outro lado da moeda: a posição das outras línguas

O Galoá acredita, como seu princípio fundamental, na importância de fomentar a comunicação científica e a criação de comunidades, pois a Ciência não é feita de pessoas sozinhas.
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Por outro lado, ao publicar em português, estamos construindo comunidades científicas dentro do Brasil, o que ao seu tempo também é uma atividade necessária.

O artigo da BBC levanta uma questão: se a revolução científica começou com Galileu e outros abandonando o latim em favor do vernáculo, quais seriam as consequências de ter o inglês como um novo latim?

Colocar a questão nesses termos crus, é claro, simplificá-la. As atitudes linguísticas caminham lado a lado com fatores sociais e históricos. O rompimento com o latim é um rompimento com uma tradição já antiga e estanque, em um contexto histórico de formação dos Estados nacionais. A adoção do inglês, hoje, como língua-franca, tem relação menos direta (ao meu ver… historiadores futuros dirão melhor que eu) com a posição política dos Estados Unidos e mais com a globalização e com e a emergência, na Internet, de comunidades e redes não delimitadas geograficamente. Ou seja, ao passo em que a comunidade científica, ou melhor, as várias comunidades científicas, se estabelecem cada vez mais como comunidades globais, a comunicação científica vai sendo feita cada vez mais em inglês.

Claro, diferentes áreas da Ciência vão montar essa comunidades de maneiras diferentes e ter relações diferentes com a linguagem. Num extremo, a comunidade de matemáticos, que já pratica há alguns séculos uma linguagem padronizada comum, a globalização da Ciência é muito mais simples do que para, no outro extremo, um cientista social, cuja própria língua e cultura é relevante para seu objeto de estudo.

Mesmo indo além do fato de que, em certas áreas das ciências humanas, a língua nativa seja necessária para discutir assuntos de relevância interna para um país, pode-se dizer, em outros contextos, que a publicação em línguas nativas seja realmente condição necessária para que haja a diversidade na produção científica?

Por minha formação em Linguística formal, eu olho com desconfiança para um argumento, digamos, “essencialista” a respeito da linguagem, como o feito pelo Prof. Ralph Mocikat na matéria da BBC, que diz que “a gramática do alemão favorece referências dentro do texto”. Não há nada de essencial na gramática do alemão, ou na do português, que favoreça uma forma de pensar. O que há é a cultura alemã, portuguesa ou brasileira; o que há são as comunidades que se formam em torno de uma língua em comum. É pensando nas comunidades linguísticas e não na língua em si que essa questão deve ser pensada.

Bilinguismo, DOI e ampliar o impacto da pesquisa

É preciso trabalhar e sermos criativos para fazer que a produção científica feita aqui no Brasil, seja ela escrita em português ou inglês, tenha um alcance global.

No final das contas, a decisão é esta: escrever em português, sendo mais acessível para um público nacional, ou escrever em inglês para um público externo mais amplo? A decisão passa por entender para quem se está escrevendo.

O próprio post no blog SciELO sugere e incentiva um caminho possível: a publicação bilíngue, ainda que isso implique em custos mais elevados para a editoração dos periódicos.

Mas não é a única estratégia disponível. É preciso trabalhar e sermos criativos para fazer que a produção científica feita aqui no Brasil, seja ela escrita em português ou inglês, tenha um alcance global.

Por exemplo, a catalogação de artigos publicados com DOI, ajuda a tornar os artigos de sua publicação mais facilmente encontráveis por outros pesquisadores no mundo. O sistema DOI prevê, inclusive, a publicação de um abstract bilíngue, em inglês e em português, de forma que mesmo que o artigo seja publicado em português, ele permanece encontrável pela comunidade internacional mais ampla. O Galoá, como entidade afiliada da Crossref, já ajudou seus clientes no depósito de milhares de DOI, ajudando a ampliar o alcance da Ciência brasileira no mundo.

O Galoá acredita, como seu princípio fundamental, na importância de fomentar a comunicação científica e a criação de comunidades, pois a Ciência não é feita de pessoas sozinhas.

Para isso, é importante procurar sempre novas formas de compartilhar, comunicar e divulgar a pesquisa. Nisso, nós trabalhamos diariamente, ajudando a organizar eventos nacionais e internacionais, colaborando com editores científicos em manter OJS, publicando Anais de Evento com qualidade e sempre buscando novas formas de criar pontes.

Pois a Ciência é, acima de tudo, uma empreitada coletiva.

Fontes:

PACKER, A. Cresce a adoção do inglês entre os periódicos SciELO do Brasil. SciELO em Perspectiva. [visualizado 11 July 2016].

PICKLES, M. Could the dominance of English harm global scholarship? BBC Business. [visualizado 14 July 2016].

Equipe do Galoá science

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