A 18ª edição do Simpósio Brasileiro de Sensoriamento Remoto (SBSR) ocorreu entre os dias 28 a 31 de maio de 2017 na cidade de Santos, litoral sul paulista, com organização do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) e da Associação de Especialistas Latinoamericanos em Sensoriamento Remoto (SELPER Brasil).
O evento trouxe para o debate diversas discussões com pesquisadores brasileiros e estrangeiros renomados na área, além de exposição técnica com empresas atuantes no sensoriamento remoto e apresentações de trabalhos, disponíveis online na plataforma Galoá Proceedings Indexados (confira aqui os anais do SBSR 2017).
Um dos diferenciais da edição foi o uso do aplicativo gratuito mobile, desenvolvido pelo Galoá, que permitiu a todos usuários uma fácil organização das atividades com a agenda pessoal, além da participação de votos para escolha dos melhores pôsteres da edição.
No entanto, o evento também contou com premiação em outras categorias por meio de avaliação do comitê científico, como apresentações orais e em iniciação científica. Um desses trabalhos premiados foi de Letícia Sartorio, formada em geoprocessamentos pelo Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) e atualmente graduanda em geofísica pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa).
O trabalho em questão está no eixo temático de “Processamento de imagens” e foi fruto do trabalho de conclusão de curso de Sartorio com orientação de Daniel Zanotta, físico e pesquisador no IFRS. A pesquisa desenvolveu uma nova metodologia de identificação e mapeamento de áreas com porção rural e urbana a partir de imagens de baixa e alta resolução.
A novidade no campo científico se deve porque áreas rurais e urbanas não são classificadas da mesma maneira, devido suas peculiaridades espaciais. Sendo necessário o desenvolvimento de técnicas que possibilitem menos falhas, como a metodologia trabalhada por Sartorio, que teve resultado qualitativo superior aos métodos tradicionais.
Segundo a graduanda de geofísica, a metodologia uniu duas técnicas distintas, ou seja, é um método híbrido que utiliza imagens com resoluções espaciais diferentes. Isso porque “a imagem de alta resolução é utilizada apenas nas áreas urbanas, onde se encontram objetos complexos e numerosos que têm como a forma e a textura os atributos de classificação mais importantes. Já as imagens de baixa resolução são utilizadas apenas nas áreas rurais, onde os alvos são mais homogêneos e de maior tamanho.”, devido a limitações tecnológicas.
Conversamos com Letícia Sartorio para entender melhor a metodologia premiada na categoria de iniciação científica do SBSR 2017 e sua experiência na pesquisa e participação no evento. Confira a seguir.
Por que é importante ter as imagens de superfícies terrestres a distância? Quais são as aplicabilidades dessas imagens?
As imagens obtidas por sensores orbitais ou aerotransportados permitem uma visão sinóptica da região estudada, ou seja, uma impressão mais geral e de fácil acesso. Ainda, a frequência de aquisição das cenas é bastante grande, o que favorece estudos de monitoramento contínuo, que podem ser utilizadas para aplicações ambientais (detecção de desflorestamento, queimadas, alagamentos), estudos urbanos de mapeamento, estimativas de safras agrícolas, previsão do tempo, entre outros.
Como pode ocorrer a classificação de elementos dessas imagens?
A classificação pode ocorrer de forma manual, com interação direta do usuário na imagem aberta na tela do computador. Ele vai delimitando polígonos e definindo rótulos para os objetos encontrados na cena. No entanto, esse processo demanda um tempo bastante extenso por conta da carga de trabalho. Por exemplo, o mapeamento oficial do desflorestamento da Amazônia brasileira demanda meses de trabalho realizado por uma equipe grande de foto-intérpretes. Uma alternativa para esse processo é a classificação automática. Nessas condições, o usuário precisa apenas selecionar algumas amostras de cada classe que compõe o terreno e o computador faz o resto. A desvantagem é que os métodos automáticos disponíveis são genéricos e executam basicamente as mesmas regras para todo o tipo de aplicação. Assim, regiões heterogêneas que possuem alvos com mais de uma natureza têm grandes chances de apresentar resultados insatisfatórios.
A classificação dessas imagens em meios urbanos e rurais costumam ser diferentes por quê?
Porque essas áreas podem apresentar diferenças drásticas quanto a sua composição. Então, cenas rurais, ou naturais, apresentam variações suaves entre as classes (ex: água, vegetação, solos) e têm, geralmente, distribuição estatística bem definida. Já as regiões urbanas apresentam muitos tipos de classe (ex: telhados de diferentes composições), e variações extremas em distâncias pequenas. Isso já motivou o desenvolvimento de classificadores mais apropriados para esse tipo de ambiente. Tratam-se de métodos complexos que só começaram a ser efetivamente implementados nas duas últimas décadas, quando imagens de alta resolução espacial passaram a ser disponibilizadas, e recursos computacionais compatíveis foram criados (computadores de alto desempenho). Então, o uso de classificadores distintos é necessário para melhor atender as características de cada área.
O que lhe incentivou a pesquisar este tema e a nova metodologia para unir as classificações?
Meu orientador, o prof. Daniel Zanotta, havia desenvolvido um trabalho em 2012 com alunas do curso de geoprocessamento que estudaram a cidade do Rio Grande, litoral sul do estado do Rio Grande do Sul. No caso, eles procuravam classificar duas cenas da mesma região, mas tomadas em datas distintas para detectar alterações ocorridas no terreno. Rio Grande, assim como muitas cidades do Brasil, apresenta áreas rurais e urbanas misturadas. A dificuldade de escolher um único classificador automático que pudesse apresentar resultados satisfatórios para a cena cobrindo toda a cidade motivou a procura de uma forma para contornar esse problema. No final de 2015, eu discuti possíveis temas a serem abordados no meu trabalho de conclusão de curso de Geoprocessamento do IFRS, campus Rio Grande. Ele, então, me sugeriu esse tema.
Gostaria que você explicasse melhor por quê uma das imagens do seu trabalho tem alta resolução e a outra baixa?
Nossa ideia partiu do objetivo de agregar as vantagens de duas imagens e dois métodos simultaneamente. A imagem de alta resolução seria utilizada apenas nas áreas urbanas, onde se encontram objetos complexos e numerosos que têm como a forma e a textura os atributos de classificação mais importantes. Já as imagens de baixa resolução seriam utilizadas apenas nas áreas rurais, onde os alvos são mais homogêneos de maior tamanho. Vale lembrar que, diferentemente das áreas urbanas, os alvos rurais são melhor caracterizados pelos atributos espectrais, ou seja, não apenas de suas respostas na faixa do visível, mas também em faixas espectrais do infravermelho próximo, médio e de ondas longas. Por limitações tecnológicas, os satélites com alta resolução espacial (pixel com alguns centímetros) costumam contar com poucas bandas espectrais e apenas na faixa do visível, enquanto os satélites de média e baixa resolução espacial (pixel com tamanho acima de 30 metros) costumam contar com alta resolução espectral (várias faixas espectrais).
A Cidade do Cabo, na África do Sul, foi escolhida por algum motivo especial? Ou apenas aleatoriedade? Como vocês conseguiram as imagens para as análises?
Nós fizemos experimentos pilotos para duas áreas: Rio Grande, aqui no Brasil, e a Cidade do Cabo, na África do Sul. A Cidade do Cabo foi escolhida porque nós contávamos com uma cortesia da DigitalGlobe (empresa provedora dessas cenas). Já para a cidade de Rio Grande, nós tínhamos uma cena de alta resolução espacial cedida pela prefeitura municipal. Ao contrário de imagens de baixa resolução espacial que são disponibilizadas gratuitamente, as de alta resolução costumam ser vendidas por preços bastante altos. Por isso essas foram as cidades escolhidas para o estudo.
O que é a técnica de árvore de decisão que você menciona?
É um método de classificação automática que simula as decisões de um foto intérprete (usuário humano) e tem alcançado bons resultados nesse sentido. Ele é chamado dessa forma porque é como se o dado entrasse na “raiz” da árvore e fossem feitas sucessivas perguntas até que uma decisão sobre qual classe o dado pertence seja tomada, o que ocorre nas chamadas “folhas”. Esse caminho desde a raiz, passando pelos galhos, e finalmente chegando nas folhas dá origem a denominação do classificador.
No quê a nova metodologia que vocês desenvolveram se mostrou benéfica frente a anterior?
Em reconhecimento de padrões, consuma-se verificar a qualidade dos resultados a partir de métricas de acurácia quantitativa e análises qualitativas. No nosso caso, a verificação visual permitiu a conclusão de que o método proposto teve um desempenho superior quando comparado com o método tradicional. Pois a análise isolada de cada área, permitiu que cada região fosse classificada da melhor forma possível (utilizando métodos e imagens adequadas para cada área), assim unindo as vantagens de cada processo.
Você gostaria de comentar sua experiência com pesquisa de iniciação científica? O projeto foi desenvolvido por quanto tempo?
Sim, tive uma ótima experiência durante o projeto. O mesmo me enriqueceu profissionalmente durante o período, pois enfrentei desafios e problemas que tiveram que ser resolvidos da melhor forma possível. O projeto foi desenvolvido ao longo do ano de 2016.
Só para eu entender melhor, você atualmente é aluna de geofísica na Unipampa, mas o projeto foi desenvolvido enquanto era aluna do curso técnico de geoprocessamento no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, isso?
Isso. No ano de 2016, no IFRS, realizei o projeto como trabalho de conclusão do curso de geoprocessamento. E em 2017 ingressei no curso de geofísica na Unipampa, portanto, atualmente não estou mais na mesma linha de pesquisa de sensoriamento remoto, que trabalhei no IFRS.
Gostaria de comentar sobre sua participação no SBSR e a premiação?
Minha participação no SBSR foi ótima, consegui assistir trabalhos de demais pesquisadores que atuam na mesma área de pesquisa que eu, ou seja, trabalhos só sobre classificação de imagens e outras pesquisas que conciliam o sensoriamento remoto com geofísica, que estou cursando agora. Também tive a oportunidade de conhecer empresas que atuam no ramo. A premiação foi um ótimo momento, no qual fiquei muito feliz pelo prêmio e também porque pude ter contato com grandes nomes da área do sensoriamento remoto.
Trabalho completo
O trabalho completo de Letícia Sartorio, com orientação de Daniel Zanotta, realizado no IFRS está disponível online e gratuitamente na plataforma Galoá Proceedings Indexados. Confira e compartilhe aqui.