“A Chegada” traz sensibilidade e história cativante à ficção científica

O filme A Chegada do diretor Denis Villeneuve, lançado em novembro de 2016, foi baseado no conto A história da Sua Vida de Ted Chiang e foi aclamado pela crítica. Para se ter dimensão sobre o sucesso do longa-metragem, ele recebeu oito indicações ao Oscar 2017 e levou o prêmio de melhor edição de som.

Foram diversos os fatores que contribuíram para que o filme, estrelado por Amy Adams, Jeremy Renner e Forest Whitaker, tenha conquistado seu lugar entre tantos outros no gênero de ficção científica, conforme vamos discutir neste post.

A Chegada imagina como seria a reação mundial diante do primeiro contato com os alienígenas e como nos comunicaríamos com estes seres recém chegados. Esse é também o tema de uma das palestras realizadas durante o Pint of Science em Campinas-SP, “Comunicação: Animais, Humanos e E.Ts” do Dr. Thiago Oliveira da Motta Sampaio.

O filme

A história começa quando 12 espaçonaves alienígenas pousaram em 12 locais diferentes na Terra (como: Venezuela, Inglaterra, Rússia, Paquistão e China) e  a linguista Drª Louise Banks (interpretada por Amy Adams) é chamada pelo governo americano para traduzir a língua alienígena e tentar se comunicar com eles na tentativa de descobrir suas intenções no planeta.

Junto com o físico Ian Donnelly (interpretado por Jeremy Renner), eles realizam uma série de experimentos e pesquisas para interpretar a estranha linguagem dos Heptapods – nome dado aos aliens no filme-, enquanto a tensão mundial só aumenta, chegando às margens de um conflito armado entre os extraterrestres e os humanos. A tarefa começa a ficar ainda mais complicada quando Louise começa a ter flashbacks sobre sua filha, e é aqui que a história começa a ficar interessante.

Para aqueles que ainda não assistiram o filme, e não querem comprometer sua experiência, esta resenha contém spoilers. Você pode ler ciente do risco ou voltar mais tarde. Confira o trailer:

Flashbacks

“Eu pensava que este era o começo da sua história.Mas agora eu não sei se acredito em começos e finais. Existem dias que definem sua história além da sua vida.Como o dia que eles chegaram.” – Drª Louise Banks

O primeiro fator de sucesso a ser destacado no filme, é sobre a estrutura do roteiro que brinca com a maneira que percebemos e interpretamos histórias. A princípio, somos levados a acreditar que os flashbacks de Louise são sobre seu passado, já que vemos uma montagem da vida da protagonista com sua filha e seu final trágico. A partir daí, também imaginamos Louise como alguém que está se recuperando desse trauma.

Porém, o filme muda totalmente de direção ao chegar nos últimos minutos e revelando que o que acreditávamos ser o passado, era na realidade o futuro. Essa é a tentativa de fazer o público reavaliar tudo aquilo que assistiu e acreditou ser verdade nos últimos 90 minutos, trazendo a tona o verdadeiro questionamento da história.

Heptapods e o Tempo

“Diferente da fala, o logograma é livre do tempo. Como suas naves e seus corpos, a linguagem deles não possui direção. Os linguistas chamam isso de ortografia não-linear, o que levanta a pergunta, ‘é assim que eles pensam?’” – Dr. Ian Donnelly

Como discutido na seção anterior, o filme desafia a linearidade do tempo. O começo e o final da história estão ligados e completam um círculo, da mesma forma que a linguagem dos Heptapods funcionam.

Os grifos usados pelos alienígenas são circulares, produzidos através de uma tinta (similar a de polvos e lulas) que flutua na atmosfera, não possuindo um começo ou final. É desta mesma forma que o tempo é representado no filme. Como descobrimos no final, os Heptapods têm uma percepção de tempo diferente, que é representada pela sua escrita, esta é a explicação dos roteiristas para o porquê Louise começa a ver seu futuro. Ao aprender a língua alienígena, ela passa a perceber o tempo da mesma forma que eles, representado pelo início dos flashs de memória.

Durante um sonho, a hipótese Sapir-Whorf é evocada para explicar o fenômeno. A hipótese, proposta em duas formas diferentes, na primeira metade do século vinte, trata da noção de que sua língua nativa se relaciona com o seu modo de pensamento e percepção do mundo. A versão, defendida por Sapir, sugeria que a língua influencia o modo de pensar. A versão da hipótese defendida por Whorf, e hoje já desacreditada pela maioria dos linguistas, dizia que a língua determina, de modo inescapável, a forma de pensar de uma pessoa.

Humanidade

A Chegada realiza um grande trabalho abordando as reações humanas diante de uma situação de crise:

  • Temos o lado militar, que se afasta um pouco do estereótipo “atire primeiro, faça perguntas depois” e se esforça para utilizar da diplomacia (mesmo que isso cause atrito dentro do grupo).
  • O lado científico, que faz tudo o que pode para descobrir novas informações e ajudar a conter a situação da melhor forma, mesmo que seus métodos não sejam claros para os militares.
  • E o lado civíl, angustiado pela falta de informações e influenciados pelo medo, retratado pela mídia com cenas de noticiários.

A maneira como Louise, Ian e os outros cientistas trabalham também merece destaque. Vemos uma representação realista da busca pelo conhecimento que envolve a comunicação e o compartilhamento de informações. Cada país oferece algo de relevante para a conversa e contribui para a pesquisa dos outros aliados. A situação só muda a partir do momento que os governos começam a interferir cortando as comunicações.

Deve-se ressaltar que a Drª Louise Banks é a peça central na narrativa, já que vemos os acontecimentos através do seu olhar, ao mesmo tempo que tentamos descobrir sua história (e eventualmente nos emocionamos com ela). A atriz Amy Adams realiza um incrível trabalho ao retratar a sensibilidade de sua personagem frente aos problemas enfrentados.

Já o personagem de Jeremy Renner, Ian Donnelly,  traz alívio ao clima pesado da situação. Suas reações são semelhantes ao de uma criança num parque de diversões, a emoção e empolgação frente ao desconhecido ficam bem claras nas suas expressões e modo de falar.

E se…

Apesar de toda a história ser contada em volta dos alienígenas e sua chegada na Terra, A Chegada se torna um grande filme de ficção científica pela forma que aborda as reações humanas dentro de uma situação excepcional, ao mesmo tempo que analisa a forma como nos comunicamos e nos relacionamos com aqueles que possuem visões contrárias às nossas. O grande questionamento não é “e se aliens invadissem a Terra?” mas sim e se você pudesse ver toda a sua vida, do começo ao final, você mudaria alguma coisa?

Esse é o grande dilema enfrentado por Louise e que nos pega de surpresa nos últimos minutos. Mesmo sabendo que sua filha morreria ainda jovem devido uma doença genética e que seu marido a deixaria por esse motivo, ela escolhe passar por isso, pois os momentos de felicidade serão maiores do que a dor causa pela perda.

Diferente de muitos filmes de ficção científica, em que a fundamentação de suas histórias gira em torno de grandes efeitos especiais e cenas de ação, o filme do diretor Denis Villeneuve com roteiro de Eric Heisserer remete aos clássicos da literatura de ficção científica ao centrar sua história nos questionamentos humanos que promovem o avanço científico. Permitindo que seja quase impossível não refletir sobre o que faríamos no lugar da protagonista e analisar as escolhas que fizemos em nosso passado e as escolhas que faremos no futuro.

Se você gosta de ficção científica fique atento ao Pint of Science, evento patrocinado nacionalmente pelo Galoá e que leva pesquisadores para discutir sobre ciência em diversos bares pelo país. Nas cidades de São Paulo, Araraquara, Campinas, Curitiba e Dourados você encontra palestras relacionadas ao Espaço e a busca por outras formas de vida fora do planeta. O evento acontecerá em 22 cidades brasileiras nos dias 15, 16 e 17 de maio.

Equipe do Galoá science

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