Cecilia Payne, astrônoma que descobriu a composição do Sol

Seja o céu estrelado dominando a noite ou o dia iluminado pelo Sol, desde a antiguidade humana até os dias de hoje temos registros sobre a fascinação e também especulações tentando entender os mistérios do universo.

Antigamente,  antes do desenvolvimento do Hubble e da astronomia atual, foi por meio de tantas contos populares que conseguimos evidenciar as primeiras observações do céu realizadas pelos povos antigos. Normalmente marcada pelo misticismo, essas estórias caracterizam os padrões da natureza como manifestações de entidades divinas.

Essas associações ocorriam na falta de respostas ao perceberem que a caça, pesca e lavoura passavam por alterações segundo as mudanças da natureza, como as estações do ano e fases da lua.

Por muito tempo o céu também foi usado como relógio, mapa e calendário da humanidade. Quem nunca ouviu falar, por exemplo, do relógio solar usado na Grécia, China, Egito e tantas outras culturas antigas?

Não só para as orientações de tempo e espaço, uma de nossas estrelas mais notáveis (o Sol) também é essencial para a sobrevivência de muitas espécies (como nós humanos) por aquecer a Terra e também por permitir outros processos biológicos, como fotossíntese de vegetais e a evaporação de corpos d’água.

Por isso o Sol foi objeto de estudo desde as primícias da ciência. No entanto, entre os tantos cientistas que rotineiramente costumam aparecer ao se mencionar as principais pesquisas sobre os astros, uma importante astrônoma acaba sendo deixada de lado, mesmo após ter apresentado uma das principais teses de doutorado da astronomia. Essa é Cecilia Payne, cientista responsável pela descoberta da composição do Sol quando se acreditava que a estrela tinha a mesma composição da Terra.

Quem foi Cecília Payne?

Nascida em 1900 em Wendevor, na Inglaterra, Cecilia Payne (mais tarde Payne-Gaposchkin) relata em sua autobiografia que começou a ter seu sonho de infância em ser pesquisadora realizado ao começar os estudos na St Paul’s Girl’s School, “onde tinha laboratórios de biologia, física e química, além de professores especialistas em ciências”, local onde não foi só permitida, mas também incentivada a estudar ciências.

Depois, em 1919, Payne ingressou na Universidade de Cambridge, inicialmente com foco dos estudos em botânica, porém, seu encanto pela física e astronomia cresceu após uma palestra com Sir Arthur Eddington, motivando-a a abandonar botânica e investir mais nessas áreas científicas.

No entanto, na Inglaterra Payne percebeu que estaria destinada a apenas dar aulas e não a fazer pesquisas, já que na época as mulheres eram proibidas de obter um diploma avançado em ciências no país.

Determinada a conquistar seu sonho de ser uma astrônoma e com poucas oportunidades no Reino Unido, Payne decide se mudar para os Estados Unidos em 1923 e pesquisar na atual Universidade de Harvard. Isso foi possível com a visita de Harlow Shapley, diretor do Observatório de Harvard, à Grã Bretanha e sua ida à Royal Astronomical Society, onde Payne o conheceu.

Apesar de sofrer menos preconceito que na Inglaterra, Payne relata em sua autobiografia que nos Estados Unidos ainda havia discriminação. O ambiente de trabalho em Harvard já havia sido desbravado por outras pesquisadoras mulhereres como Annie Jump Cannon, que catalogou cerca de 250 mil estrelas, além de ter definido um padrão de taxonomia, e por Henriquetta Swan Leavitt que calculou a distância das estrelas segundo sua luminosidade. Mesmo assim as pesquisadoras ainda eram consideradas como computadores, não o termo que conhecemos hoje, mas o profissional que faz contas ao invés de serem reconhecidas como pesquisadoras, tanto que seus salários vinham de “despesas com equipamentos”. Vale ressaltar que muitas vezes as nomeavam como “harém de Edward Pickering”, coordenador da época, por comporem sua equipe.

Com auxílio das pesquisas realizadas por Cannon e Leavitt, Payne desenvolveu uma das teses de doutorado mais respeitadas da astronomia, intitulada de Stellar Atmospheres – A contribution to the observational study of high temperature in the reversing layers of stars. Sua tese foi publicada em 1925 recheada de espectrometria atômica que interpretaram as pressões, temperaturas e composição das estrelas. Basicamente, ela conseguiu relacionar as classificações e cálculos realizados previamente por Cannon e Leavitt para concluir que as estrelas são compostas majoritariamente por hidrogênio e hélio, logo, pela sua lógica caia a teoria de que o Sol teria a mesma composição que a Terra como defendido por renomados astrônomos da primeira metade do século XX.

Um desses astrônomos foi Henry Norris Russel, que mesmo diante de suas conclusões lógicas corretas, por acreditar que o Sol era composto principalmente de ferro (66%) e que uma mulher não chegaria a uma conclusão plausível, negou a teoria de Payne. Apenas quatro anos depois, Russel comprovou estar enganado, dando o crédito à pesquisadora e finalmente seu título de doutora.

Sobre os desafios e discriminação ao persistir no seu sonho profissional em continuar sendo uma astrônoma, em sua autobiografia Payne relata logo no início do capítulo “On being a woman” que uma mulher sabe a frustração de pertencer a um grupo minoritário, no qual um homem pode escolher sua profissão enquanto a mulher ou tem que se manter sozinha ou encontrar um marido.

Cecilia Payne ainda aconselha a sempre defender seu posicionamento, se tiver certeza sobre os fatos que está trabalhando: “Eu fui culpada por não ter pressionado meu ponto. Eu cedi à autoridade quando eu acreditava que eu estava certa. Esse é outro exemplo de Como Não Fazer Pesquisa. Eu percebi isso como um aviso para os jovens. Se você tem certeza do seu fatos, você deve defender a sua posição.” (Leia sua autobiografia aqui).

A astrônoma continuou a seguir seu sonho em ser pesquisadora, tendo escrito cerca de 350 artigos científicos e analisado entre três a quatro mil estrelas das Nuvens de Magalhães Depois de 30 anos de trabalho ela se tornar a primeira mulher nomeada chefe do departamento de astronomia da Universidade de Harvard em 1956, tendo se aposentado em 1966.

Barreiras de gênero na ciência hoje

Infelizmente, apesar de tantas renovações na ciência (por exemplo, no Brasil 50% das pesquisadoras são mulheres)  ainda há barreiras para progressão de carreira.

Em evento realizado pela Universidade de São Paulo, pesquisadoras destacam como problemas culturais que influenciam negativamente o avanço das mulheres na carreira científica, na qual uma porcentagem muito pequena de mulheres consegue alcançar um posto de professora universitária, contexto que se repete em diversos outros países ainda hoje (confira a matéria na íntegra aqui).

Caso queira saber mais sobre barreiras de gênero, nós produzimos uma entrevista com Juliana Marta, professora no Instituto de Matemática e Computação Científica (IMECC) da UNICAMP, sobre o Encontro Paulista de Mulheres na Matemática

podcast Freakonomics também preparou e transcreveu um material bem interessante sobre o tema. 

Fontes:

Cecilia Payne-Gaposchkin : an autobiography and other recollections

Cecilia Payne-Gaposchkin: astronomer extraordinaire

What Are Gender Barriers Made Of?

Preconceitos e estereótipos impactam progressão da mulher na ciência

Cosmos, episódio 1/8 – Sisters of the Sun, 2014

Equipe do Galoá science

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