A privacidade está morta?

“Qual raça de cachorro você seria?”

“39 perguntas estranhas: Faça o teste!”

“Qual personagem da série [inserir o nome que quiser] mais se parece com você?”

Provavelmente você já fez ou se deparou com conhecidos que compartilharam nas redes sociais esses tipos de testes que não têm credibilidade, mas muitas pessoas continuam, diariamente, fazendo eles por entretenimento e curiosidade.

No entanto, como já diz o ditado, “Não existe almoço grátis!”. Ao realizar esses testes, as empresas não cobram dinheiro dos internautas, mas levam consigo os dados deles, como nome, e-mail e ainda o acesso às contas em redes sociais para as empresas colherem os contatos, preferências e comportamento dos usuários com mesmo perfil social.

Isso pode acabar gerando a impressão de que os nossos dados e direito à privacidade não são importantes, já que os cedemos facilmente para as empresas e também governos, gerando a dúvida se a privacidade, seja na internet ou outros ambientes, está realmente morta.

Esses questionamentos foram levantados por Diego Aranha e Rodolfo Azevedo, ambos professores do Instituto de Computação da Universidade Estadual de Campinas (IC -Unicamp) durante a segunda noite do Pint of Science 2017 em Campinas, interior do estado de São Paulo, que ocorreu no bar Lado B, localizado no distrito de Barão Geraldo.

Nessa conversa descontraída e regada a comes e bebes, Aranha salientou sua preocupação sobre o pensamento corrente de que não há necessidade de privacidade para quem não tem nada a esconder. Porém, dizer isso seria o equivalente a dizer que uma pessoa não precisa de liberdade de expressão por não ter nada a falar, já que a privacidade é um bem social que deve ser sim discutido e compreendido pelas pessoas.

O cientista da computação também explicou que a privacidade não é algo importante só para “quem tem algo a esconder”, “a privacidade é o direito de poder divulgar informações pessoais em um certo contexto e que essas informações fiquem restritas a esse contexto”, ou seja, é poder controlar a publicação de informações pessoais.

Bar Lado B lotado no térreo e primeiro andar e com muitas pessoas em pé, durante o Pint of Science
Pint of Science

A fim de exemplificar como os dados podem ser utilizados pelas empresas, Rodolfo Azevedo relembrou do clássico caso do supermercado norte-americano Target, que cruzou dados de histórico de compras de seus consumidores para encontrar um padrão de quais produtos de consumo uma grávida normalmente adota, como cremes e outros cosméticos sem perfume por conta dos enjoos, comum no segundo trimestre de gravidez.

Após estabelecer os produtos para a “previsão de gravidez”, o supermercado começou a enviar para os seus clientes, cupons de mercadorias nos tempos específicos da gestação. No entanto, um homem ficou irritado ao descobrir que a rede de supermercados estava oferecendo tais produtos para sua filha que, na época, era uma adolescente, indagando se estavam incentivando a moça a engravidar. Dias depois, o mesmo homem retornou e pediu desculpas, alegando que estavam acontecendo atividades em sua casa que ele desconhecia.

Apesar de em muitos casos ser interessante esse filtro que as empresas realizam com nossos dados, como as recomendações de músicas, filmes e séries em serviços de entretenimento, esse tipo de invasão também pode gerar problemas, como o direcionamento de comportamento e opiniões de um certo grupo de pessoas, que serão influenciadas pelas sugestões, ainda mais com a expansão da “Internet das Coisas”, em que aparelhos comuns podem se conectar à internet e colher mais informações pessoais, como a iluminação de uma casa ou uma Smart TV, aumentando ainda mais a vigilância em nossas vidas.

Como colher dados sensíveis sem violar a privacidade?

Ao discutir sobre privacidade, os pesquisadores da Unicamp levantaram a bola para a necessidade em manter o sigilo na coleta de dados, ainda mais quando se tratam de perguntas sensíveis. O assunto foi contextualizado com a notícia do início de maio de 2017 na qual o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a decisão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) que determinou a quebra do sigilo estatístico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre a identificação de 45 crianças sem certidão de nascimento em Bauru, interior de São Paulo.

O argumento foi que ceder ao pedido poderia abalar a confiança da sociedade perante ao trabalho do IBGE, já a identificação dos cidadãos tem caráter sigiloso previsto por lei. Com a quebra, os entrevistados poderão temer consequências pelas informações, passando a informar inverdades, prejudicando a fidelidade dos dados estatísticos utilizados para elaborar políticas públicas (saiba mais aqui).

Frente a esse dilema sobre como colher informações sensíveis sem identificar as pessoas, Aranha e Azevedo desenvolveram com o público do Lado B, na segunda noite do Pint of Science Campinas, uma dinâmica, que pode ser usada em sistemas para coletas de dados do IBGE também.

O experimento reuniu 50 voluntários que tinham em mãos moedas, uma folha em branco e um cartão rosa. Eles realizaram uma pergunta sensível (no caso, se “a pessoa já usou drogas ilícitas na vida?”) e cada voluntário deveria responder de forma binária (sim ou não) na folha em branco e depositar na urna analógica para contabilização. Depois, eles perguntaram novamente e todos que responderam “sim” deveriam levantar seus cartões rosas, mas com uma condição para preservar suas identidades: Cada um deveria girar sua moeda de modo que ninguém visse o resultado; se desse coroa, a pessoa deveria responder obrigatoriamente que sim; se desse cara, todos deveriam responder o que marcou em seus papéis.

Apesar da amostragem ser muito pequena na demonstração, com uma grande amostragem o método preserva a identidade dos entrevistados sem sem um grande impacto na margem de erro. Afinal, o público não pode afirmar se a pessoa que levantou o cartão realmente respondeu que sim, ou se foi porque a aleatoriedade estabeleceu.

Sobre a questão se a privacidade está morta ou não, os pesquisadores argumentaram que isso é um conceito em transformação e “que a medida que mais serviços que preservam a privacidade se tornam disponíveis, com modelos de negócios diferentes, podemos fortalecê-los sendo consumidores”, como a criptografia do Whatsapp que garante mais privacidade que outros mensageiros, conforme você pode ver na segunda parte da entrevista que fizemos no final do evento: https://www.facebook.com/plugins/video.php?href=https%3A%2F%2Fwww.facebook.com%2FGaloaCiencia%2Fvideos%2F1555705677813699%2F&show_text=0

O que a computação quântica tem a ver com tudo isso?

Ainda na segunda noite do Pint of Science 2017 em Campinas, o Lado B recebeu Amir Caldeira, do Instituto de Física “Gleb Wataghin” (IFGW) da Unicamp.

O físico trouxe para a roda da conversa um tema “Computação e Informação Quântica: Realidade, Fantasia ou Marketing?”, por ser uma área que cresce cada vez mais com diferentes aplicabilidades em diferentes áreas que podem se aproveitar de um computador quântico.

Para introduzir o assunto complexo na mesa do bar, Caldeira explicou como funciona hoje o sistema binário dos computadores, naquele mesmo esquema de sim/não ou 0/1, sendo uma informação excludente da outro.

No entanto, a computação quântica se difere da clássica quando uma informação pode assumir ambos estados, ou seja, ser tanto o estado “0” quanto o “1”, gerando uma superposição de estados, gerando o princípio da incerteza.

Para ilustrar como isso ocorre, em 1935 o físico austríaco Erwin Schrödinger menciona a ideia de colocar um gato em uma caixa fechada na qual é desconhecido se ele está vivo ou morto, sendo que seu destino está atrelado a um evento aleatório quântico, mas no fim, descobre-se que ele está vivo e morto, como podemos ver na explicação a seguir do canal “Minuto da Física” https://www.youtube.com/embed/ndZl7L_ciAQ?ecver=2

Essa superposição é o Bit quântico ou q-bit, unidade de informação básica, que são importantes pela rapidez e complexidade de cálculos que eles podem efetuam. No entanto, ter um computador quântico não é algo simples, por exemplo, eles necessitam estar em temperaturas extremamente baixas para poder operar e de algoritmos também complexos para identificar os estados dos elementos.

Entre as diversas aplicabilidades de uso de um computador quântico, temos a quebra de senhas em questão de segundos, sendo altamente visada na área da criptografia e, por consequência, na invasão de privacidade, aí que ambos os temas se entrelaçaram durante o Pint of Science 2017 em Campinas.

Mesmo com aplicabilidade perigosa no campo da privacidade, Caldeira ressalta que outros problemas complexos também podem ser resolvidos com a computação quântica, como em cálculos na medicina.

Ficou com dó do gatinho ser usado como exemplo? O que seria seria a internet sem vídeos de gatinhos… Se quiser, confira a animação curtinha adaptada e totalmente ficcional do experimento mental do gato de Schrödinger: https://www.youtube.com/embed/JNalMWLnt0o?ecver=2

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Equipe do Galoá science

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