Por que publicar preprints?

Você já publicou um preprint?

Preprint é um formato relativamente novo e, por isso mesmo, ainda cheio de mistérios, expectativas e preconceito. Ele é um filho legítimo da Internet e, tal qual sua  mãe, é uma forma muito mais rápida, porém, significativamente mais caótica de compartilhar informação.

Nesse contexto global de revolução sobre como se compartilha conhecimento, fundamos o Galoá com a missão de pensar e oferecer novas ferramentas e estratégias para o mundo acadêmico e fazer acontecer o fluxo de ideias, que é essencial para a produção científica.

O preprint é uma das peças-chave nesse processo de renovação da ciência. Mas mudanças para agilizar a ciência vão além.

Por todo o mundo, a comunidade científica vem colocando em prática novidades como o acesso aberto, a ciência aberta, o formato preprint e o código DOI (Digital Object Identifier), que estão provocando mudanças profundas e inexoráveis na forma como fazemos e comunicamos ciência.

O preprint é um  formato que veio para ficar e vem sendo cada vez mais respeitado, o que nos coloca a questão de entendê-lo e experimentar suas novas possibilidades, como vamos discutir no texto de hoje.

O que é o preprint?

Formalmente, um preprint se define como uma forma de publicação de artigos em repositórios abertos previamente ou mesmo independentemente de sua publicação em revistas científicas tradicionais.

Um breve histórico do preprint

Até hoje, para serem publicados em um periódico, os artigos passam pelo sistema peer-review, em que pelo menos 3 acadêmicos da área, voluntários e anônimos, analisam e solicitam alterações para que o conteúdo tenha qualidade e argumento compatível às pesquisa de seus pares.

Esse sistema tradicional de peer-review foi estabelecido na Inglaterra na metade do século XVII, com a criação da primeira revista científica pela Royal Society of London, e é seguido até hoje.

No entanto, nos últimos 30 anos, cientistas começaram a questionar mais avidamente a adequação desse tipo de avaliação à realidade atual da produção e disseminação de pesquisas acadêmicas. São séculos em que as mudanças nos canais, alcance, ferramentas e usos da informação foram ignorados.

Uma das iniciativas pioneiras, e por muito tempo esquecida, foi do National Institutes of Health (NIH) que criou em 1961 um projeto para compartilhamento de preprints pelo correio para um número de assinantes por todo o Estados Unidos. O projeto, infelizmente, foi encerrado em 1967 sob pressão de editoras científicas tradicionais, após ter divulgado mais de 2.500 trabalhos.

Anos depois, a Internet abriu espaço novamente para o formato. O site ArXiv.org, fundado em 1991, foi um repositório de preprints pioneiro para a área de física, mas logo se expandiu para astronomia, matemática, ciência da computação e biologia quantitativa.

Hoje existem repositórios para trabalhos no formato preprint em praticamente todas as áreas do conhecimento, além de muitos repositórios ligados diretamente a universidades e instituições de pesquisa também passaram a aceitar o depósito dessas publicações prévias.

Por que existem preprints?

A demora e rigidez para um trabalho ser analisado e, finalmente, aceito para a publicação em uma revista prestigiada pode chegar a três anos. Editoras e revistas tradicionais cobram e restringem o acesso aos textos, o que reduz e desencoraja um grande número de estudantes, pesquisadores e de curiosos de outras áreas.

Nesse contexto, o preprint traz vários benefícios para a disseminação de trabalhos científicos. Primeiro pela rapidez em se compartilhar pesquisas e seus resultados e depois pela possibilidade de se receber feedbacks com a liberdade de fazer alterações e complementar o trabalho, o que dinamiza o processo e permite que pesquisadores se tornem mais conhecidos, formem boas parcerias para futuros trabalhos e até mesmo atraiam financiadores para as suas pesquisas.

Ser ou estar: diferenças entre o artigo definitivo e o artigo vivo

Após finalmente garantir sua publicação, dificilmente um autor fará alterações, atualizações ou correções em seu trabalho para submetê-lo novamente, não só pela morosidade do processo, como também pelo fato de que correções em artigos publicados muitas vezes não é algo bem visto.

O engenheiro e colaborador do SciELO, Ernesto Spinak, comenta em post publicado no blog “SciELO em Perspectiva” como a atualização de artigos científicos publicados tem uma má reputação na comunidade, como visível no trecho a seguir:

“O sistema tradicional de publicação de periódicos científicos não estimula os pesquisadores a realizar alterações pós-publicação necessárias a um artigo, inclusive sendo recomendável e agindo de boa fé. Ademais, há uma resistência pelos autores a publicar notas de alterações sob a etiqueta “retratações”, pois o termo inclui muitos matizes, desde alterações não significativas, importantes, ou completas, até retratações por erros graves, plágio, fabricação de dados e má fé.”  – Ernesto Spinak em “SciELO em Perspectiva”

Como consequência, até recentemente, as diferentes versões de um artigo eram muito difíceis de serem localizadas e relacionadas à versão original. Digo “até recentemente” porque o sistema Crossmark permite depositar junto ao DOI informações sobre atualizações de um texto publicado (saiba mais aqui).

Essa característica de “texto vivo” é, no entanto, essencial ao preprint. Ao ler um preprint sabemos que não estamos lendo algo final, escrito em pedra, mas sim um degrau no longo processo de produção científica.

Quais os impactos do preprint  para a produção acadêmica?

Um dos principais impactos do preprint para a produção científica é a velocidade de disseminação das pesquisas, o que também é muito útil em casos de solução de problemas públicos e imediatos.

Por exemplo, em setembro de 2015, a Organização Mundial da Saúde publicou uma declaração solicitando a rápida divulgação de informações em casos de emergências de saúde, e diante da epidemia de Zika vírus no Brasil e no mundo, formou-se um convênio entre instituições mundiais na busca por soluções e respostas sobre o vírus. Dessa iniciativa rapidamente surgiram informações importantes, como relação entre o Zika e a microcefalia em estudos que foram publicados em preprints e no sistema de revisão rápida e com menos etapas chamado Fast-Track.

Alguns pesquisadores da área de medicina clínica, porém, alertam que a exposição prematura de pesquisas e análises sem a revisão rigorosa de pares pode ser nociva. Um editorial do JAMA (Journal of the American Medical Association), Dr. Howard Bauchner, defende, por exemplo, que nessa área os efeitos de publicações com dados e conclusões incorretas podem ser fatais em casos que envolvam pessoas em tratamento.

O campo das ciências biológicas tem criado repositórios de preprint, mas ainda é hesitante. São muitas as preocupações, já que está rodeado por editoras predatórias que cobram preços caríssimos somente para publicar artigos com maior rapidez e garantia de aceitação. Tanta ansiedade por publicações levaram ao surgimento do Slow Science Manifesto, que defende que os pesquisadores devem ter seu tempo para produzir trabalhos de qualidade, sem tanta pressa para publicar.

Em um webinar realizado pelo eLife, organização não governamental de cooperação científica e publicação de pesquisas em biomedicina, os participantes apontaram os principais desafios que enfrentaram ao adotar o preprint. Nikolai Slavov, professor assistente de bioengenharia na Northeastern University, Estados Unidos, lembra que antes de começar a depositar preprints no repositório ArXiv, ele imaginava que somente seus “concorrentes” leriam seus trabalhos, e que isso poderia resultar em muitas críticas e até mesmo apropriação de ideias, mas o que ocorreu na realidade foi uma grande interação de leitores do mundo todo e o reconhecimento de seu nome em relação o assunto do trabalho apresentado.

O preprint pegou?

Hoje existem repositórios de preprint em todas as áreas do conhecimento e muitas universidades e instituições de pesquisa têm criado repositórios que também aceitam publicação de preprints produzidos dentro de seus muros.

A Crossref, reconhecendo os benefícios que o modelo de compartilhamento traz à comunidade científica, solicitou aos usuários (em geral editores, pesquisadores e estudantes) que descrevessem suas necessidades e desafios em um formulário disponível no site e em novembro de 2016, lançou uma reestruturação do sistema DOI para aceitar e atrelar diferentes publicações, permitindo que links para elas sejam permanentes, conectados com versões da mesma pesquisa, e que os dados das citações sejam claros e atualizados.

No Brasil, o SciElo anunciou em janeiro deste ano a adoção de políticas e práticas editoriais que favorecem a ciência aberta e um servidor SciELO de preprints está previsto para ser lançado em junho de 2018.

E daqui para frente?

Os preprints são uma tendência muito positiva para a comunicação científica. Acessíveis rapidamente e gratuitamente, permitem a interação dos cientistas não só com seus pares, mas com pesquisadores de outras áreas e mesmo com não-acadêmicos.

A abertura para a interação, comentários e participação na construção dos trabalhos é uma possibilidade grandiosa de crescimento para quem escreve e quem lê e, finalmente, democratiza o conhecimento.

No Brasil, buscamos criar oportunidades para mais estudantes na área de pesquisa e produção científica, mas também enfrentamos desafios como a baixa renda, longas distâncias e falta de recursos nas universidades. Nesse cenário o preprint permite o acesso gratuito de pessoas de qualquer lugar com acesso à internet ao que há de mais recente nas discussões.

O que não se deve esquecer é que os repositórios são abertos e de rápida publicação. É necessário não só um garimpo, mas uma avaliação da qualidade, complexidade e seriedade dos trabalhos. Isso, no entanto, é algo cada vez mais necessário nas relações do leitor com a informação na Internet no geral.

Em um post no blog Green Tea and Velociraptors, o paleontologista Jon Tennant levanta um ponto importante sobre a citação e a consequente disseminação de preprints, sendo que a citação é responsabilidade de quem cita. Para Tennant a ciência mal feita é, por exemplo, resultado de citações de textos que não foram totalmente lidos e analisados pelos pesquisadores, que podem usar textos falhos, mas acabam ganhando o status de pesquisas bem feitas e confiáveis. Os pesquisadores têm à sua disposição mais artigos para consultar e isso é valioso, cabe a eles o discernimento e profissionalismo de checar o que lêem para embasar o que escrevem.

O preprint, como o nome já demonstra, é mais um estado do trabalho do que um produto em si. Todo trabalho precisa de uma conclusão e um ponto final, mesmo que futuramente aquele conceito discutido torne-se obsoleto. Tem-se assim os artigos e papers publicado como sendo as versões “oficiais”. Tanto o preprint quanto o artigo publicado têm seu espaço ─ e suas responsabilidades ─ no mundo da comunicação científica.

O desenvolvimento científico depende da comunicação entre os pesquisadores. Se a única forma de comunicação disponível depender de 5 anos para gerar frutos, o desenvolvimento vai ficar 5 anos em atraso.

O preprint é essencial para agilizar o processo de produção científica.

Temos hoje toda a tecnologia para conectar, mapear, identificar conteúdos, e a compreensão de que o mundo muda muito depressa. Foi-se o tempo de se gravar em pedra e perseguir hereges.

O preprint não vai ─ nem tampouco se propõe a ─ substituir os artigos científicos passados por peer-review, mas já demonstrou que é uma das peças na revolução da forma como se faz e se comunica ciência. E já atravessamos o horizonte de eventos dessa revolução.

Fundei o Galoá para acelerar essa revolução e trabalhamos todo dia com novas ideias e formatos para fazer a ciência circular e produzir frutos.

E você, já publicou um preprint? Compartilhe suas experiências e opiniões sobre esse formato na caixa de comentários!

Leia mais:

Referências:

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INSIDE ELIFE. Webinar report: What’s the deal with preprints?. eLIFE, 2016 [visualizado em 20 de Janeiro de 2018]. Acessível em https://elifesciences.org/inside-elife/d4017493/webinar-report-what-s-th…

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PACKER, A.L., et al. Os Critérios de indexação do SciELO alinham-se com a comunicação na ciência aberta [online]. SciELO em Perspectiva, 2018 [visualizado em 16 de Fevereiro de 2018]. Acessível em: http://blog.scielo.org/blog/2018/01/10/os-criterios-de-indexacao-do-scie…

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SLOW SCIENCE, The Slow Science Manifesto, 2010 [visualizado em 21 de Janeiro de 2018]. Acessível em http://slow-science.org/

SPINAK, E. Eu escrevi isso… eu não escrevi isso… agora escrevo outra coisa… [online]. SciELO em Perspectiva, 2017 [visualizado em 20 de Janeiro de 2018]. Acessível em: http://blog.scielo.org/blog/2017/03/31/eu-escrevi-isso-eu-nao-escrevi-is…

SPINAK, E. O que é este tema dos preprints? [online]. SciELO em Perspectiva, 2016 [visualizado em 22 de Janeiro de 2018]. Acessível em: http://blog.scielo.org/blog/2016/11/22/o-que-e-este-tema-dos-preprints/

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BAUCHNER, H. The Rush to Publication – An Editorial and Scientific Mistake [online]. JAMA, 2017 Acessível em: https://doi.org/10.1001/jama.2017.1181

Sobre o Autor

Fabiano Sant'Ana é o CEO e CVO do Galoá Science. Matemático Aplicado formado na Universidade de Campinas, a mais de uma década Fabiano trabalha diariamente com pesquisadores das mais diversas áreas automatizando tarefas, reduzindo esforços e maximizando o impacto da pesquisa científica brasileira.