José Reis, o caixeiro viajante da ciência

“No Brasil a divulgação científica se implantou tardiamento, se é que podemos dizer esteja ela firmada. Em nosso País, como em outros na faixa dos ainda em busca de desenvolvimento, durante muito tempo se confundiu com divulgação científica a informação técnica de natureza agrícola ou sanitária […]. A divulgação científica radicou-se como propósito de levar ao grande público, além da notícia e interpretação dos progressos que a pesquisa vai realizando, as observações que procuram familiarizar esse público com a natureza do trabalho da ciência e a vida dos cientistas.”, esclarece José Reis, considerado o pai da divulgação científica brasileira, em fragmento de texto reunido por Nair Lemos Gonçalves para o Curso Rápido de Divulgação Científica, promovido pela Folha de S. Paulo em 1994 e reproduzido no livro Feira de Reis – Cem anos de divulgação científica no Brasil (p.89).

A divulgação científica é uma parte importante na promoção dos avanços científicos, conforme defende Carlos Vogt em nossa entrevista sobre a espiral da cultura científica. Isso porque a comunicação para o público geral influenciará para que as novas descobertas sejam incorporadas pela sociedade, dando movimento para que novos problemas ganhem espaço para ampliar o conhecimento e melhorias na humanidade.

Mesmo a divulgação sendo uma etapa importante para a promoção da ciência, ela não tem longa tradição no Brasil e só começou a ser mais amplamente praticada por volta dos anos 1930 após o trabalho de José Reis, pesquisador do Instituto Biológico de São Paulo e jornalista de ciência pela Folha de S.Paulo, sendo destaque em suas ações pioneiras de divulgação científica.

Ciente de que a ciência é um direito social e que não deve ficar presa dentro dos muros da academia, o pesquisador começou, por exemplo, a realizar visitas a pequenos produtores avícolas para os informar sobre as descobertas que fez sobre as doenças de aves.

Sua missão era munida de um mini-laboratório montado em um furgão com equipamentos de comunicação, ou seja, desde projetor de filme e alto falante até amostragem de lâminas de microscópios. Com essas armas e ajuda da Cooperativa Agrícola de Mogi das Cruzes, o cientista visitou diversos municípios no interior do estado de São Paulo para conversar com criadores de aves e treiná-los sobre melhores práticas de manejo com os animais, sem deixar de apresentar seus experimentos de sua pesquisa sobre doenças de aves.

(Imagem: Fotografia de  José Reis em uma Feira de Ciências, uma de suas atividades de divulgação científica)

Essa atividade fez com que ele mesmo assumisse o título de “caixeiro viajante da ciência” no período de 1934 a 1938, já que acreditava que o cientista tem o papel social de divulgar seu trabalho para a sociedade. Seu afinco na missão em divulgar ciência fez com que ele conseguisse parceria com o cônsul japonês de São Paulo para ir pessoalmente nas colônias nipônicas, presentes principalmente na região de Mogi das Cruzes, e traduzir os conhecimentos para a língua japonesa.

Sua peregrinação científica também contribuiu para que na década de 1930 José Reis coletasse material para continuar suas pesquisas sobre as doenças de aves, junto com os cursos ministrados. Esse viés mais educativo de sua divulgação científica é justificada em coluna na Folha (18 de dezembro de 1966) com a ideia de educar para desenvolver, como pode ser comprovado no trecho “com educação era possível dar condições de desenvolver a criação de aves e produzir ovos tornando o Brasil um dos grandes nessa área”, explica o cientista.

Sua visão não ficou apenas no ideal ou palavras. Segundo pesquisa de Osmir Nunes sobre José Reis publicada no livro Feira de Reis, observou-se uma diminuição da incidência de doenças avícolas nas cidades que receberam os treinamentos do pesquisador.

Entre suas atividades profissionais, ainda no Instituto Biológico, o cientista assumiu nos anos 40 até a sua aposentadoria a Divisão de Divulgação Científica que administrava além das publicações do instituto outras atividades como as exposições do Museu.

Com esse contato direto em atuações de comunicação científica, o pesquisador foi além e nos anos 50 participou de projetos em parceria com a Unesco (United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization), dando origem ao Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura de São Paulo (IBECC-SP). A instituição promoveu, no final dos anos 50, atividades como o concurso do “Cientista do Amanhã”, para estimular a competição sobre ciência, e as Feiras de Ciências que abrangeram diversas cidades do interior paulista como forma de educação informal, onde professores e alunos desenvolviam experiências educativas.

José Reis conversando com dois garotos

Mas a divulgação científica pode atingir o público geral de diversas formas, sejam por esses treinamentos, atividades educacionais, exposições de museus e também no formato de jornalismo científico, campo que José Reis também exerceu até os seus últimos dias. Apegado ao mote de que “explicar é dialogar”, o divulgar influenciou vários gêneros jornalísticos, mas se destacou como colunista e cronista.

Sua primeira aparição na mídia é assinada em 1932 na revista Chácaras e Quintais, publicada de 1907 até 1971 com linguagem simples sobre conteúdo relacionado à agropecuária. Já em 1947, José Reis começa suas colunas opinativas chamada de “Periscópio” nas redações da Folha de S. Paulo e Folha da Manhã; no jornal, ele também desenvolveu cursos e palestras de jornalismo científico e de 1962 a 1968 foi seu diretor de redação.

Fora as publicações semanais no veículo da grande mídia, o jornalista investiu em veículos específicos, sendo um dos idealizadores da tradicional revista “Ciência & Cultura”, inaugurada em 1949 e sempre vinculada à Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), hoje editada em parceria com o Labjor da Unicamp.

(Imagem: Capas das edições impressas da revista “Ciência & Cultura”, inclusive a facsimile da 1ª edição. Crédito: Germana Barata)

Desde seu primeiro editorial, a revista de circulação nacional, e hoje também online, se mostrou disposta a aproximar a ciência da sociedade, como se nota no seguinte trecho original: “Aparecerá quatro vêzes por ano, com artigos e notas originais, além de variada informação que sirva para difundir não só os conhecimentos que a Ciência vai acumulando, mas também os dados relativos à projeção dêsses conhecimentos na sociedade. Espera ainda a revista, como órgão que é da SBPC, servir de aproximação dos cientistas entre si, e dêstes com o público, entre todos desenvolvendo forte e indispensável sentimento de solidariedade e compreensão.” (vol.I, n. 1-2, jan-abr de 1949)

Linha do tempo sobre os prêmios mais relevantes de José Reis

Um pouco mais sobre a trajetória de José Reis

Apesar de grande parte de sua vida ter vivido no estado de São Paulo, José Reis nasceu em 12 de junho de 1907 no Rio de Janeiro, onde cursou o secundário no Colégio D. Pedro II (considerado um dos principais colégios da época) e a Faculdade Nacional de Medicina com ênfase em microbiologia, onde se formou em 1930.

Sua primeira especialização ocorreu no Instituto Oswaldo Cruz (Manguinhos), onde pode conhecer renomados nomes da ciência brasileira, como Carlos Chagas e Olimpo da Fonseca Filho. Entre 1935 a 1936, José Reis foi para o Rockefeller Institute, em Nova York, para se especializar em virologia. Após essa experiência, o cientista seguiu a carreira acadêmica como bacteriologista no Instituto Biológico de São Paulo em 1929, onde trabalhou com Rocha Lima e Hermann von Ihering, tornando-se tornou referência mundial em Ornipatologia (doenças de aves), tendo publicado com sua esposa Annita Swensson Reis e com Paulo Nóbrega o livro Doenças das Aves: Tratado de Ornithopathologia.

(Imagem de reprodução do livro Infanto Juvenil de José Reis)

Além de sua vasta atividade e influência na divulgação científica brasileira, José Reis também participou da consolidação de importantes instituições científica do país, como Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) em 1948. O pesquisador também dirigiu o Instituto Biológico por algumas gestões e foi o primeiro diretor da atual Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA USP) em 1946.

Entre outras diversas atividades de destaque do caixeiro viajante da ciência, José Reis também tentou atingir o público infantil com os livros de fábulas adaptadas com viés científico, como As galinhas do Juca sobre noções de avicultura e suas doenças, O menino dourado com conceitos básicos de microbiologia e, para o público infanto juvenil, o cientista escreveu Aventuras no mundo da ciência, com pano de fundo da história natural desenvolvida em um instituto científico. José Reis também teve participações em programas de rádios, indo uma vez por semana no programa “A marcha da ciência” pela Rádio Excelsior de São Paulo

O médico, pesquisador, jornalista e pioneiro na divulgação científica brasileira faleceu em São Paulo, no dia 17 de maio de 2002 por conta de uma pneumonia. Ele continuou escrevendo sua coluna sobre ciência na Folha de S. Paulo até seus últimos dias, por acreditar no papel essencial da divulgação científica para o progresso da ciência brasileira.

“Minha conclusão é a de ser a divulgação científica uma atividade útil e necessária, que mereceria apoio ainda maior do que já tem, que justificaria muito maior empenho a fim de tornar cada vez menor o desperdício, que hoje é muito grande, segundo Thistle, pois numerosas são as barreiras que se interpõem entre a descoberta e o conhecimento científico, de um lado, e sua comunicação e absorção pelo público de outro (barreira do próprio conhecimento limitado do cientista, barreira de linguagem, barreira do segredo profissional, barreira da imprimibilidade, barreira natural do auditório). Mereceria ela, a meu ver, maior compreensão dentro das universidades, como atividade extracurricular que, sem dúvida, é das mais importantes, e como esforço, dos mais dignos, de educação do homem comum e de sua integração mais segura na sociedade a que pertence, tão profundamente influenciada pela ciência e tecnologia.” – José Reis, trecho retirado do livro Feiras de Reis: Cem anos de Divulgação Científica no Brasil – Homenagem a José Reis (p.91)

Referências:

ABREU, A. A. de. Entrevista com José Reis, julho/agosto de 1982

FOLHA DE SÃO PAULO. “José Reis”, editorial, Folha de S. Paulo, 17 de maio de 2002

KREINZ, G.; PAVAN, C.; MARCONDES FILHO, C. Feiras de Reis: Cem anos de Divulgação Científica no Brasil – Homenagem a José Reis. São Paulo: NJR-ECA/USP, 2007, 166p. – (Divulgação Científica; 10).

MARTINS, L. de J. José Reis – A trajetória de um educador In: Encontro Nacional da Rede Alfredo de Carvalho, II, 2004, Florianópolis, Anais…, UFF, 22p.

PAVAN, C.; KREINZ, G. José Reis , jornalista, Superinteressante [online], 30 jun 2002.

REBOUÇAS, M.M.; BACILIERI, S. José Reis, vida e obra de um marco na divulgação científica. Páginas Inst. Biol., v.1, n.1, jan./jun., 2005

SBPC. Editorial. Cienc.Cult [impresso], São Paulo, v.1, n.1-2, jan-abr de 1949.

VOGT, Carlos. Editorial. Cienc. Cult. [online],  São Paulo,  v. 54,  n. 1, jun.  2002

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