História da ciência: Periódicos que influenciaram nossa comunicação científica

Todo pesquisador, desde o começo da sua carreira científica, sente a pressão por publicar os resultados de sua pesquisa em periódicos de renome. Isso acontece porque hoje essas revistas fazem parte do jogo que avalia a produtividade acadêmica e, como já discutia o sociólogo francês Pierre Bourdieu em Para uma Sociologia da Ciência, compõem também o sistema de recompensas na qual os pesquisadores que publicam e têm mais citações acumulam “crédito” que podem ser convertidos em prêmios, reputação e cargos profissionais, ou seja, seu crescimento na carreira acadêmica.

Apesar de ser esse o contexto atual, este post vai comentar um pouco sobre o surgimento dos primeiros periódicos científicos há mais de 350 anos e que continuam sendo publicados até hoje. Eles são o francês Journal des Savants e o inglês Philosophical Transactions, ambos iniciaram suas atividades em 1665.

Antes de nos aprofundarmos em suas histórias, devemos lembrar que na Idade Moderna, momento histórico distante de tecnologias como a internet, a comunicação entre os cientistas e pensadores ocorria por meio de cartas, reuniões filosóficas e científicas, além das caras publicações de livros. Mesmo assim, o fluxo de diálogo profundo não era ágil na época, visto que até mesmos as atas desses encontros entre os pensadores eram apenas resumos dos debates com circulação ainda restrita.

Com o advento de melhores tecnologias para impressão e circulação, as revistas científicas surgiram com o propósito de acelerarem o necessário debate de ideias. Assim, em 6 de janeiro de 1665 foi publicado o pioneiro Journal des Sçavans, que teve sua grafia atualizada em 1797 para Journal des Savants. A proposta do título, segundo seu primeiro editor Denis de Sallo, era garimpar com os principais temas de destaque no mundo científico europeu, desse modo, as edições conteriam além dos relatos sobre experimentos e descobertas, principalmente da Física e Química, seções com recomendações em formato de resenha e resumos de livros, obituários de renomados pensadores com suas biografias, e também debates sobre teologia com os cortes religiosos da época.

Em terras inglesas, exatamente dois meses depois, foi inaugurado o primeiro fascículo do Philosophical Transactions inspirado no pioneiro francês, mas com viés mais próximo do que conhecemos hoje dos periódicos científicos, excluindo de seu escopo biografias, obituários, seções de teologia e até mesmo a ênfase em resenhas, priorizando mais relatos sobre os experimentos, em especial das ciências duras que deram um salto de reconhecimento, descobertas e invenções desde a Idade Moderna. A revista é vinculada até hoje à Royal Society of London e foi encabeçada por Henry Oldenburg, filósofo alemão e primeiro secretário da sociedade. O sucesso se deu porque o filósofo, com amplo conhecimento das línguas, mantinha uma extensa rede de contatos por correspondência de cientistas para ter rapidamente acesso às novidades da chamada filosofia natural. Era tarefa de Oldenburg relatar os conteúdos dessas cartas para os membros da Royal Society, até mesmo dos que se ausentavam das reuniões científicas.

Para facilitar sua tarefa na associação (que teve como membros personalidades como Charles Darwin, Michael Faraday, Caroline Herschel, Isaac Newton, Edmond Halley – que foi editor da revista após a morte de Oldenburg, Alan Turing, entre tantos outros como atualmente Stephen Hawking), Oldenburg decidiu imprimir as cartas com os relatos científicos no formato de boletim, o que após o contato com a versão francesa o transformou na revista com um viés mais científico e que serviu como modelo para os periódicos de diversas outras associações europeias, publicações que passaram a ser frequentes no século XVIII, principalmente devido ao crescimento de especialização das disciplinas científicas. O aumento das revistas nesse período também aconteceu devido à necessidade de um ágil registro público sobre a autoria das descobertas e invenções científicas que galgavam espaço nas sociedades ocidentais.

 Outra inovação da Philosophical Transactions foi a revisão editorial dos conteúdos, que mais tarde foi aperfeiçoado pela revisão por pares, aplicada pela primeira vez pelo periódico Medical Essays and Observationsda Royal Society of Edimburgh em 1731. No entanto, vale lembrar que mesmo com essa novidade, a revisão por pares se consolidou apenas no século XX, tornando-se prática comum entre as revistas mais bem avaliadas hoje, até mesmo como garantia sobre a qualidade dos artigos publicados.

Para comemorar os 350 anos da revista Philosophical Transactions, a equipe do periódico elaborou um vídeo resumindo um pouco de sua história (em inglês), confira para conhecer mais:

Desde o surgimento dos primeiros periódicos, muitas outras mudanças ocorreram na comunicação científica. Hoje, por exemplo, percebemos a força dos periódicos eletrônicos, das revistas em acesso aberto (leia mais sobre o quão aberta uma publicação pode ser aqui), uso do DOI (confira nossa FAQ) e até mesmo sobre o crescimento das publicações em preprint (publicações sem revisão por pares e não publicadas em revistas) e do fast track (publicações com etapas reduzidas de editoração), mas isso a gente deixa para uma próxima conversa.

Gostou de saber quais foram as primeiras revistas científicas? Deixe aqui seu comentário, pontos interessantes que não foram discutido, sugestão de ideias ou dúvidas.

Primeiras edições dos periódicos Philosophical Transactions e Journal des Sçavans, ao meio está Henry Oldenburg

(Imagem: Primeiras edições das Philosophical Transactions e Journal des Savants, ao meio Henry Oldenburg)

Fontes:

BOURDIE, P. Para uma sociologia da ciência, Lisboa: Editora 70, 2004.

MEADOWS, A. J. A comunicação científica. Brasília, DF: Briquet de Lemos, 1999.

STUMPF, I.R.C. Passado e Futuro das Revistas Científicas. Ciência da Informação, online, v.25, n. 3, 1996.

THE ROYAL SOCIETY. Philosophical Transactions: 350 years of publishing at the Royal Society (1665 – 2015), 2015. Disponível aqui.

Sobre o Autor

Fabiano Sant'Ana é o CEO e CVO do Galoá Science. Matemático Aplicado formado na Universidade de Campinas, a mais de uma década Fabiano trabalha diariamente com pesquisadores das mais diversas áreas automatizando tarefas, reduzindo esforços e maximizando o impacto da pesquisa científica brasileira.