A biotransformação para produção de aromas

Aromas são extremamente importantes nas indústrias alimentícia, química, cosmética e farmacêutica. O aroma é responsável, por exemplo, por grande parte do sabor de um alimento e considerado um atributo importante na aceitação do produto pelo consumidor. A preferência dos consumidores por produtos naturais tem aumentado a demanda por processos biotecnológicos de obtenção de aromas.

Neste novo artigo da série Pesquisa em Destaque, conversamos com Lorena de Oliveira Felipe, Mestre em Ciências pelo Programa de Pós Graduação em Tecnologias para o Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal de São João del-Rei/Campus Alto Paraopeba, autora do trabalho “BIOTRANSFORMAÇÃO DE LIMONENO PARA LIMONENO-1,2-DIOL POR FUNGO FILAMENTOSO ISOLADO DO ORÉGANO”, orientada pelo Prof. Dr. Juliano Lemos Bicas, da Universidade Estadual de Campinas.

O trabalho submetido ao Simpósio Latino Americano de Ciências de Alimentos – SLACA, analisou a obtenção de compostos de aroma por via biotecnológica, um método capaz de gerar seletivamente substâncias consideradas naturais.

Confira agora esta entrevista!

Você poderia nos contextualizar a respeito do domínio dos aromas quimicamente sintetizados, nos setores industriais? Por que é que a produção biotecnológica é, nesses setores, uma alternativa promissora?

Nos setores industriais, os aromas sintéticos são majoritariamente utilizados. O rendimento satisfatório da rota química é a principal vantagem desse método, justificando sua ampla aplicação. Entretanto, dentre as desvantagens apresentadas pela síntese química, está a reduzida regiosseletividade¹ da reação, obtendo-se uma mistura racêmica² de produto que altera drasticamente a percepção sensorial do aroma desejado. Ainda, quando obtido por rota química, os compostos de aroma só podem ser rotulados como “aroma artificial” (compostos ainda não identificados em produtos naturais) ou “idêntico ao natural” (possui identidade química com o homólogo natural), diminuindo o apelo mercadológico dos produtos aos quais eles são adicionados (Felipe, 2015; Molina et al., 2013).

Nesse contexto, a produção de aromas por via biotecnológica (bioaromas) mostra-se como uma alternativa promissora para atender a vívida demanda dos consumidores por uma alimentação saudável, estimulado pelo consumo de produtos naturais e funcionais. Por outro lado, a conscientização da sociedade acerca da importância do desenvolvimento sustentável tem motivado a adaptação dos processos industriais por novas tecnologias que façam uso de micro-organismos (bioprocessos), possibilitando assim, a obtenção de produtos que sejam ambientalmente “amigáveis”. Outro fato de extrema importância centra-se na particularidade de que alguns compostos de aroma opticamente puros só são passíveis de serem produzidos biotecnologicamente, em função da estereospecificidade apresentada por sistemas biológicos. Por fim, os compostos de aroma obtidos por via biotecnológica, assim como aqueles extraídos diretamente da natureza, podem ser rotulados como “naturais”³  (Felipe, 2015Molina et al., 2013).

Em seu trabalho você biotransformou compostos terpênicos para a produção de bioaromas. Pode nos explicar como se dá esse processo de biotransformação?

O processo de biotransformação consiste na biossíntese de um produto com estrutura análoga à molécula do substrato. Em termos práticos, o processo de biotransformação é feito misturando o substrato à biomassa previamente crescida (biocatalisador) ressuspensa em meio apropriado. Depois de um determinado tempo em condições controladas, o substrato é transformado no produto desejado. A biocatálise pode ser feita por sistemas enzimáticos ou micro-organismos – como culturas em crescimento, resting cells, células imobilizadas ou sistemas multifásicos – os quais possuem a habilidade de transformar o substrato, aumentando-o ou degradando-o para complementar ou substituir por completo a rota de obtenção química (Molina et al., 2013).

Dessa forma, atualmente, em função das características apresentadas pelo processo de biotransformação, esse método tem sido amplamente descrito na literatura científica como uma tecnologia bastante versátil e promissora para a obtenção de inúmeros insumos de alto valor agregado, focado principalmente na indústria de aromas e fármacos (Felipe, 2015).

Dentre as diversas opções de substratos terpênicos, como se deu a escolha desses substratos para a sua pesquisa?

A escolha dos substratos terpênicos utilizados na nossa pesquisa (farneseno, α-pineno e limoneno) foi baseada na relevância industrial desses produtos (Felipe, 2015).

O farneseno é o principal composto do chamado “diesel da cana” (nome comercial: Biofene®), que é produzido e comercializado em larga escala no Brasil pela Amyris. Todavia, apesar de ser um potencial precursor de substâncias de elevado interesse industrial, o farneseno tem sido pouco explorado em processos de biotransformação microbiana. O α-pineno é o composto majoritário da terebintina – um subproduto da indústria de papel/celulose – com uma produção nacional estimada em cerca de 160 mil ton ano-1. O limoneno destaca-se como o principal componente do óleo da casca de laranja (> 90% de R-(+)-limoneno), um resíduo da indústria de Citrus, com uma produção brasileira estimada em ≈ 130 mil ton ano-1 (Bicas, 2009).

Nesses três casos, pode ser observado então que terpenos produzidos em larga escala têm apresentado um destino menos nobre que seu potencial oferece. Dessa forma, de acordo com Swift (2004), matérias primas terpênicas devem ser vistas como fontes naturais e sustentáveis para alicerçar a indústria de química fina, sobretudo no que se refere à produção de aromas. Além disso, os referidos substratos terpênicos apresentam-se disponível em grandes quantidades e de baixo custo, tornando possível gerar produtos de alto valor agregado a partir de subprodutos/efluente da agroindústria (Bicas, 2009).

Como foram as etapas do processo da pesquisa? Comente aqueles, que você acredita que foram os principais desafios?

Os principais desafios enfrentados durante a nossa pesquisa foram os mesmos fatores limitantes que ainda dificultam a aplicação industrial por via biotecnológica de bioaromas, a citar: elevado grau de toxidez dos micro-organismos aos substratos terpênicos, isso porque esses mesmos compostos apresentam reconhecida atividade antimicrobiana; a acentuada volatilidade do substrato/produto, já que, em sua maioria, são moléculas de baixo peso molecular (≈ 300 Daltons) e o baixo rendimento de produto obtido (comumente da ordem de mg L-1) (Felipe, 2015).

Qual a importância de um congresso como o SLACA para os pesquisadores e profissionais em Ciência de Alimentos?

O Simpósio Latino Americano de Ciência de Alimentos (SLACA) é um evento tradicional de enorme respeitabilidade e credibilidade a nível internacional. Além disso, se destaca também por ser um encontro que integra diferentes cientistas de todo o mundo. Portanto, para os pesquisadores/profissionais da área de Alimentos, a participação no SLACA torna claramente possível aumentar a visibilidade da pesquisa apresentada, bem como estimula a possibilidade de parcerias entre instituições/grupos de pesquisa. Sendo assim, foi uma enorme satisfação de ter tido a oportunidade de apresentar a nossa pesquisa sobre “Biotransformação de limoneno para limoneno-1,2-diol por fungo filamentoso isolado do orégano” nesse importante evento.

Você poderia comentar um pouco acerca dos resultados alcançados. Houve grandes variações dos objetivos iniciais propostos?

Do objetivo inicial proposto, a única variação foi o fato de que éramos mais otimistas acerca da técnica de bioprospecção. Isto é, esperávamos isolar e identificar do “ambiente natural” mais cepas que fossem capazes de biocatalisar os substratos empregados – farneseno, α-pineno e limoneno – no processo de biotransformação.

Considerado isso, de todo o nosso esforço de prospecção, apenas um fungo filamentoso isolado do orégano apresentou potencialidade biotransformadora para a produção de bioaroma. Nesse caso, o referido micro-organismo foi capaz de biotransformar o substrato R-(+)-limoneno em limoneno-1,2-diol.

Quais seriam as conclusões do processo de pesquisa deste trabalho?

A principal conclusão da nossa pesquisa foi corroborar que a estratégia de isolamento e a seleção de micro-organismos para a produção biotecnológica de aromas, apesar dos desafios inerentes associados à técnica, mostra ser um caminho fundamental para fomentar a disponibilização de aromas naturais para o setor industrial.  

E as conclusões referentes ao potencial de diferentes fungos na produção biotecnológica de aromas?

Em se tratando especialmente da produção biotecnológica de aromas, a potencialidade da utilização de fungos – filamentosos ou leveduriforme – para esse tipo de processo centra-se no fato de que sendo esses micro-organismos eucariotos, os mesmos apresentam uma “maquinaria” semelhante às plantas para a excreção de compostos voláteis, como por exemplo, possuem um complexo sistema enzimático de secretoma. Tal complexo enzimático é fundamental para a excreção de enzimas extracelulares, as quais, por sua vez, são amplamente descritas como responsáveis por biotransformar diferentes compostos terpênicos em seus respectivos metabólitos (Alfaro et al., 2014).  Considerado esses aspectos, fica claro que o emprego de cepas fúngicas em diferentes bioprocessos é uma área que apresenta enormes possibilidades de exploração.

Adicionalmente, conforme relatado por Abraham et al. (1985), o uso de fungos ao invés de bactérias pode ser mais vantajoso nos processos de biotransformação, pois aquelas têm um metabolismo muito ativo e destroem o substrato muito mais rapidamente, enquanto que os fungos têm maior propensão ao acúmulo de intermediários.

Como foi sua experiência de uso do Galoá ao se inscrever e submeter trabalhos no SLACA?

A minha experiência com a plataforma Galoá, não só para o SLACA quanto para outros eventos dos quais já participei, foram sempre muito agradáveis. A organização da plataforma torna bastante intuitivo o uso do site, facilitando o processo de inscrição e os acessos pós-evento. Além disso, a possibilidade ter um certificado com autenticação eletrônica, anais eletrônicos e as estatísticas dos trabalhos apresentados – tanto por eixo temático quanto por classificação geral tornam ainda mais prazerosa a utilização da plataforma web Galoá.   

O que está achando da nossa série “Pesquisa em Destaque”?

A “Pesquisa em Destaque” é uma excelente oportunidade que os pesquisadores têm de explorar e mostrar de uma forma mais didática e objetiva o trabalho que foi desenvolvido. Dessa forma, considero que é uma iniciativa de grande louvor e que deve ser fortemente preservada. Isso porque, a referida série contribui para a entrega de conhecimento para um vasto público, aumentando assim a cobertura de acesso às temáticas tratadas no mundo acadêmico.

Notas
¹ Regiosseletividade é a preferência que tem uma reação para romper ou criar um ligação em uma direção em particular em preferencialmente a todas as demais possíveis. /\
² Uma mistura racémica ou forma racémica é a designação atribuída a uma mistura equimolecular de dois enantiómeros. Os enantiómeros são moléculas que apesar de apresentarem a mesma fórmula molecular, as suas estruturas não se sobrepõem. Estas moléculas são imagens no espelho uma da outra./\
³ Os aromas naturais recebem essa classificação quando obtidos de fontes naturais, seja por métodos enzimáticos, microbiológicos ou físicos (como por exemplo, a destilação). /\
Referências Bibliográficas
ABRAHAM, W. R.; HOFFMANN, H. M. R.; KIESLICH, K.; RENG, G.; STUMPF, B. Microbial Transformations of Some Monoterpenoids and Sesquiterpenoids. In: Enzymes in Organic Synthesis. Ciba Foundation Symposium 111. London: Pitman. p. 146-160. 1985.
ALFARO, M., OGUIZA, J. A., RAMÍREZ, L., PISABARRO, A.G. Comparative analysis of secretomes in basidiomycete fungi. Journal of Proteomics, 102, p.28–43, 2014.
BICAS, J.L. Estudos de Obtenção de Bioaromas pela Biotransformação de Compostos Terpênicos. Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), 2009. Disponível aqui. Acesso em: 20 mar. 2015.
FELIPE, L. O. Isolamento e Seleção de Micro-organismos Produtores de Bioaromas por Biotransformação de Terpenos. 2015. 106 f. (Mestrado em Ciências) – Programa de Pós Graduação em Tecnologias para o Desenvolvimento Sustentável, Universidade Federal de São João del-Rei/Campus Alto Paraopeba, Ouro Branco, 2015.
MOLINA G.; BICAS, J. L.; MARÓSTICA JÚNIOR, M. R.; PASTORE, G. M. In: PASTORE, G. M.; BICAS, J. L.; MARÓSTICA Jr., M. R. Biotecnologia de Alimentos. Primeira Edição. Editora Atheneu, 2013. Cap. 11.  
SWIFT, K.A.D. 2004. Catalytic transformations of the major terpene feedstocks. Topics in Catalysis. 27 (1-4):143-155.

Equipe do Galoá science

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